sábado, 30 de abril de 2011

FRANCISCO VALDOMIRO LORENZ

"Corria o ano de 1928 e governava o Estado do Rio Grande do Sul o Dr. Getúlio Vargas. Certa manhã, recebi um amável convite para comparecer às 14 horas na Biblioteca Pública, pois que lá estava sendo feita uma triagem de todo o Professorado Estadual do Curso Primário, por ordem de S. Ex.a o Dr. Getúlio Vargas, então vivamente interessado na reforma e aprimoramento do ensino. Além disso, salientou que entre os que seriam examinados estava um homem que era um verdadeiro fenômeno e que ele tinha sincero desejo de que também eu o conhecesse.

Aquiescendo ao convite, compareci à hora aprazada e lá o encontrei. O amigo que me convidara era professor de Contabilidade e mantinha o Curso Rápido Comercial num prédio situado à Praça Parobé.

Ao fundo de um enorme salão estava a Comissão Examinadora, presidida pelo ilustre e saudoso Dr. Maurício Cardoso. Os demais membros da Comissão eram o que de mais exponencial existia em Porto Alegre naquela época.

A chamada dos examinandos era procedida em ordem alfabética, e naquele dia estavam na letra "F". Em dado momento ouviu-se chamar: "Francisco Valdomiro Lorenz". Imediatamente viu-se, encaminhando-se em direção à Mesa, um cidadão aparentando 45 anos, trajado de branco, botinas pretas, lenço de seda ajustado ao pescoço com uma aliança e de chapéu de palha na mão. À sua passagem pelo longo corredor, com facilidade se escutaram risinhos de professorinhas muito bem vestidas e pintadas, o que fez com que o Sr. Bahlis (quem me convidou) murmurasse, contrafeito: daqui a pouco vocês mudarão de atitude! Efetiva-mente, iniciadas as provas, o grande matemático, Dr. Francisco Rodolpho Simch, viu que estava diante de um grande estudioso da matéria, o que o levou a distender-se longamente sobre o tema que lhe estava afeto. Com profunda admiração, constatou que o examinando discorria com indiscutível autoridade sobre os mais complexos aspectos da Matemática, culminando por enredar-se na própria origem dos algarismos - matéria essa muito familiar ao examinando. Sob grande e justificada expectativa seguiu-se a prova de Português.

Respondendo e solucionando todas as perguntas e questões atinentes com segurança e, sobretudo, simplicidade, foi em certa parte solicitado a analisar a palavra "sobrevivência". Fê-lo, lógica e lexicamente, dentro das normas gramaticais, tendo, ao final, se colocado à disposição para responder sobre algo mais que desejassem a respeito da aludida palavra. Foi a essa altura que teve início um diálogo que ficou indelevelmente gravado na mente de todos os presentes. Vou esforçar-me no sentido de relatá-lo com a máxima fidelidade:

Dr. Maurício Cardoso:
- Pelo que vejo, o Sr. dedica-se ao estudo da etimologia das palavras.

Lorenz:
- Sim, Ex.ª, estudo.

Dr. Maurício Cardoso:
- Além do Latim, grego e árabe, que são as raízes de nosso idioma, aprecia ou estuda também outras línguas vivas?

Lorenz:
- Sim, Ex.ª. De modo especial as línguas chamadas "mortas".

Dr. Maurício Cardoso:
- O senhor diz "mortas". Por que não prefere as "vivas"?

Lorenz:
- Porque, salvo erro de minha parte, as "vivas" nada mais são que herdeiras das "mortas".

Dr. Maurício Cardoso:
- Embora imperfeitamente, dedico-me também ao estudo de alguns idiomas, porém vivos. Agradar-lhe-á dialogarmos rapidamente em francês, que é considerado "idioma universal"?

Lorenz respondeu-lhe em francês, tendo o Dr. Maurício manifestado sua satisfação.

Dr. Maurício Cardoso:
- Mas, o que me diria se tentássemos dialogar noutros idiomas que atualmente são usados pelos povos deste Planeta?

Lorenz:
- Estou às inteiras ordens de V. Ex.ª.

Neste ponto foi que os presentes tiveram a revelação do Grande Homem modestamente vestido e que suscitara os risinhos que tanto mal fizeram ao saudoso Sr. Bahlis.

Como era notório nas altas esferas da intelectualidade brasileira, o Dr. Maurício Cardoso falava corretamente doze idiomas "vivos". Valendo-se disso, conversou com o Ir. Lorenz em todos eles, e em cada um desses idiomas, com grande diplomacia e humildade, es-cutava observações de Lorenz, mais ou menos como esta: Ex.ª, a sua pronúncia desta palavra denota que o seu professor era originário ou descendente de algum habitante de tal ou qual cidade da Alemanha, Áustria, Inglaterra, Pérsia, etc. Isso é natural, porquanto esses povos, através de muitos séculos, empenharam-se em muitas guerras, e certas palavras sofreram substanciosas alterações, principalmente em sua tônica. E prosseguindo: nas capitais, onde se cultuam as regras gramaticais, a pronúncia é assim (e pronunciava as palavras, citando os motivos).

Empolgado diante daquele verdadeiro repositório de saber, o Dr. Maurício Cardoso arriscou:
- O senhor fala mais alguma língua?
- Sim, algumas.
- Quantas mais?
- Bem, diz Lorenz, eu entendo e escrevo atualmente em cinqüenta e duas. Entretanto, devo confessar que estou lutando para aperfeiçoar-me na pronúncia das que eram faladas pelos Maias, Astecas e Ameríndios.

- Mas, então o Sr. fala o idioma japonês?
- Sim, respondeu Lorenz.
- Tenho um amigo na Diretoria de Higiene, o Dr. Nemoto, japonês de nascimento, que certamente gostará de falar com o senhor. Está de acordo em que lhe peça para vir até aqui para esse fim?

- Com muita honra, Ex.ª. Diante disso, o Dr. Maurício Cardoso providenciou a vinda daquele cavalheiro e enquanto não chegava, providenciou as demais provas de habilitação do examinando, que em todas elas se revelava um grande mestre.

Eram quase 16 horas quando chegou o Dr. Nemoto. Feitas as apresentações, imediatamente iniciaram o diálogo em japonês, e, decorridos poucos instantes, o Dr. Nemoto esclarece aos presentes que realmente seu ilustre interlocutor era mesmo um fenômeno lingüístico, porquanto, com sincera admiração de sua parte, ele descobria que ele, Nemoto, não estava falando o japonês usado em Tóquio, e sim em Yokohama, o que era verdade.

Foi nessa altura que teve lugar um fato que emocionou extraordinariamente aquela felicíssima assistência: o Dr. Maurício bate no tímpano e diz:

- Senhoras e Senhores! Convido a que nos levantemos!

Todos de pé, ele deixa a Presidência da Mesa, encaminha-se para Lorenz e diz-lhe:
- Mestre, vinde ocupar o lugar que indevidamente eu estava ocupando. Ele vos cabe.

Muito acanhado, extraordinariamente encabulado, Lorenz baixou a cabeça e apenas conseguiu murmurar:

- Oh! Por caridade Doutor, se está concluída a minha prova, permita que eu volte para minha casa em São Feliciano.
- Mas, o senhor não reside em Porto Alegre?
- Não, senhor. Há muitos anos resido no Distrito de São Feliciano, Município de Encruzilhada. Andam dizendo por aí que em breve serão mudados os nomes para Dom Feliciano e Encruzilhada do Sul.

Diante disso, o Dr. Maurício externou em palavras cheias, de emoção e entusiasmo a sua admiração por ele e deferiu seu pedido.
No dia seguinte, nova surpresa estava reservada ao Sr. Lorenz. O Dr. Getúlio Vargas, informado do que ocorrera, mandou chamá-lo ao Palácio, manifestou-lhe também sua grande admiração e convidou-o para trabalhar na Secretaria do Interior e Justiça, no Departamento de Relações Consulares, pois, trabalhando como tradutor, iria prestar relevantes serviços naquele setor.

- Sr. Governador, disse Lorenz. Sensibilizado ao máximo, agradeço a V. Ex.ª tão honroso convite. Entretanto, se vossa extrema bondade permite, imploro que me deixe voltar para minha Escola. O senhor nem pode imaginar o quão feliz me sinto em poder ir diariamente para minha Escola, levando junto comigo um elevado número de meninos!

O saudoso Dr. Getúlio Vargas, embora coerente com a idéia inicial, terminou concordando, e lá se foi o Ir. Lorenz para o convívio de seus amados meninos.

Trecho da biografia de Francisco Valdomiro Lorenz, uma biografia que somente a reencarnação e a mediunidade conseguem nos auxiliar a compreender.

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