domingo, 13 de outubro de 2013

EMANCIPAÇÃO DA ALMA

Muito em breve um novo romance entitulado “O Testemunho dos Sábios” estará publicado e disponível para os leitores. Enquanto isso, buscamos mais um dos nossos antigos textos originais que mantemos em arquivo. Boa leitura e excelente reflexão!

EMANCIPAÇÃO DA ALMA

O MATERIALISTA, QUE NÃO VÊ SENÃO O CORPO E NÃO CONSIDERA A ALMA, NÃO PODE COMPREENDER ESSAS COISAS; MAS O ESPÍRITA, QUE SABE O QUE SE PASSA ALÉM DO TÚMULO, CONHECE O VALOR DO ÚLTIMO PENSAMENTO. ABRANDAI OS ÚLTIMOS SOFRIMENTOS QUANTO ESTEJA EM VÓS; MAS GUARDAI-VOS DE ABREVIAR A VIDA, NÃO FOSSE SENÃO DE UM MINUTO, PORQUE ESSE MINUTO PODE POUPAR MUITAS LÁGRIMAS NO FUTURO.

(SÃO LUIS. O Evangelho Segundo o Espiritismo, Cap V, item 28).

Como chegamos à condição de Espíritos?

Que caminhos nós percorremos para chegar ao momento que hoje vivenciamos?

Responder estas questões é o grande dilema das tradições religiosas, apegadas em demasia ao sentido literal dos textos sagrados carregados de simbolismo.

Para a Doutrina Espírita, como preconizada por seu organizador Allan Kardec, que deveria acompanhar o desenvolvimento científico estimulando por sua fez o crescimento moral de seus adeptos e de uma maneira geral de toda a sociedade, tais questionamentos não conseguem embaraçar as convicções espíritas, principalmente naqueles que dedicam algo de seu tempo ao estudo sério e aplicado.

Em consonância com a teoria evolucionista de Darwin e igualmente de Alfred Russel Wallace, a Doutrina Espírita assume a condição evolucionária da individualidade. A idéia de que somos seres em processo continuado de evolução que antes de adquirirmos condições de animar um envoltório humano estagiamos em outros reinos da natureza. A espiritualidade nos fala de um Deus justo e bom, e que sendo assim não condenaria nenhum ser a estagnação eterna, permitindo que todos pudessem se desenvolver. Criar uma criatura condenada à eterna condição de imutabilidade é demonstrar parcialidade e favorecimento, imperfeições que Deus sendo a expressão máxima da perfeição não poderia possuir. Desta forma nos torna impossível não aceitar a condição evolutiva e desenvolvimentista do Ser.

Definindo esta condição, encontramos então um ser humano que não é seu corpo biológico e sim o Espírito que a ele dá forma e vivifica. Até onde nos foi possível conhecer, o Espírito passou pelo processo de desenvolvimento ensaiando o comando infinitesimal, modelando e vivificando outros seres da natureza. A conceituação trazida pelos espíritos da codificação kardequiana nos esclarece que existe uma grande diferença entre os espíritos que estagiam nos reinos inferiores da natureza e os espíritos que animam o ser humano. Em função desta diferença deve-se adotar o termo “princípio inteligente” para aqueles seres que não possuindo capacidade reflexiva encontram-se em desenvolvimento nos reinos vegetal e animal.

Devido a esta falta de capacidade reflexiva sabe-se que os princípios espirituais (inteligentes) que animam os animais mantêm-se vinculados ao corpo quando do momento do descanso físico. O princípio inteligente permanece como que em estado hibernatório durante o sono no corpo orgânico. Porque permanecer na espiritualidade se não haveria capacidade de entendimento da situação? E sem essa capacidade também não haveria responsabilidade que culminasse em necessidades de ressarcimento, anulando assim o complexo de culpa e as crises de consicência.

Através do processo evolutivo o antropóide primitivo foi passando por transformações, desenvolvendo equipagem de maior capacidade para as atividades inteligentes. Na mesma proporção em que seu cérebro desenvolvia-se se aprimorava sua capacidade reflexiva, seu entendimento. Iniciando gradual e lento processo de desvinculação espiritual durante o sono físico. A capacidade subjetiva igualmente foi crescendo e com ela surgiram às primeiras manifestações ritualísticas, que davam conta de representar a capacidade de entendimento dos princípios inteligentes tinham de interpretar o que viam e sonhavam.

Elevando-se a condição hominal, há mais ou menos 30 mil anos, adquiriu o estágio evolutivo em que nos debatemos no presente momento. Em alguns mais rapidamente em outros mais lentamente, foi o princípio inteligente se gabaritando ao status de ser reconhecido como Espírito. Espírito é o ser em sua integralidade dotado da capacidade de refletir sobre sua situação, o contexto em que se encontra inserido, e a capacidade de adaptar-se as mudanças necessárias ao seu progresso. Desta forma o Homem dava o passo definitivo na conquista de sua independência espiritual, muito ainda haveria de trilhar, mas de agora em diante assumia a condição de responsabilidade pelo seu próprio desenvolvimento.

Em condições de compreender diferentes contextos empreende o ser humano maiores vôos na esfera espiritual, regressando com a mente animada por diferentes idéias, despertando a sensibilidade e a idéia de uma vida que transcende a morte do corpo e encontra-se sob a direção de inteligências superiores, muitas vezes representada pela figura de raios, do sol ou da lua.

Ao nos depararmos atualmente com o processo complexo dos sonhos encontramos diferentes explicações que inutilmente tentam dar cabo de esclarecer aquilo que a inteligência humana restringida pelo estrangulamento que a matéria ainda nos impõe não consegue perceber em sua integralidade. Disfunções orgânicas, má alimentação; reflexos emocionais de nossas experiências diárias, ansiedades, preocupações; lembranças de vidas pretéritas; experiências e contatos com o plano espiritual; todas essas opções são possíveis e podem fornecer alguma explicação quanto ao teor de nossas manifestações oníricas. O mais correto seria afirmar que em se tratando de conteúdo dos sonhos ainda estamos muito pouco esclarecidos a respeito, todas as tentativas de explicações levantadas parecem interligarem-se e manifestarem-se em conjunto quando nos recordamos daquilo que vivemos ao dormir. Não nos parece aconselhável estimular apego demasiado sobre aquilo que sonhamos.

Concluímos que somos, pelo desenvolvimento da capacidade intelectiva, capazes de estagiarmos fora do corpo durante o sono físico. Se existe tal possibilidade para onde vamos? Não conseguimos em nosso estágio atual recordar integralmente daquilo que sonhamos, do que podemos ou não ter participado na espiritualidade durante o período de sono, mas nem por isso somos incapazes de deduzir a qualidade de nossas companhias espirituais, basta que prestemos atenção nas sensações que nos preenchem a intimidade ao acordar.

Nosso maquinário físico ainda pouco afeito a possibilidade de intercâmbio espiritual não nos fornece condições de nos apropriarmos das recordações daquilo que experienciamos quando nosso espírito estagia fora do vaso físico. Por tratar-se de uma dimensão diferente, composta igualmente de matéria de constituição diferenciadas existe a impossibilidade da perfeita transmissão de dados entre os mundos. Aquelas pessoas que credenciadas biologicamente a obterem uma maior capacidade de recordações de suas vivências espirituais durante o sono podem ser enquadradas nos fenômenos de desdobramento, por alguns também chamada de viagem astral ou apometria. Aqueles que buscam desenvolver esta faculdade anímica perante os postulados do Espiritismo são médiuns de desdobramento, muitas vezes sendo utilizados por espíritos desencarnados em atividades mediúnicas.

Em O Livro dos Espíritos aprendemos com os espíritos superiores que é graças ao desprendimento espiritual que ocorre durante o descanso físico que espíritos mais desenvolvidos que a média terrestre dispõem-se a encarnar em nosso meio. É no momento do sono que estes companheiros mais elevados buscam respirar na atmosfera mais sutil experiências motivadoras, onde buscam forças para o cumprimento de suas missões, estes momentos constituem-se em “recreio” após longo dia de árduo trabalho.

Uma vez que todos, mesmo que não possamos recordar, por estarmos desfrutando da condição hominal possuímos condições de desfrutar de uma maior liberdade durante o sono físico seria coerente nos admitirmos aprisionados ao corpo?

São inúmeros os casos de pessoas dadas clinicamente como mortas que retornam inexplicavelmente relatando com precisão tudo que se passou durante a cirurgia, o que ouviram e viram. Muitas dessas pessoas ao retornarem de uma experiência de quase morte (EQM) relatavam ter havido passado por um túnel, encontrando pessoas amigas já desencarnadas. Nosso cérebro quando não tendo condições de interpretar aquilo que percebe adapta estas informações por um processo de adoção de características similares em uma comparação. Como representar melhor o deslocamento da consciência para outra dimensão, a dimensão espiritual, do que se aproveitando da imagem de um túnel de luz?

O túnel era a forma subjetiva de interpretar o que viam e ninguém os haviam preparados para compreender. O tempo é inexistente para os espíritos, somos herdeiros da eternidade. Conseguimos captar aquilo que possuímos condições e interpretamos tudo asilados em nossas crenças e culturas.

De uma maneira geral as pessoas que têm uma EQM ou despertam de um processo de coma relatam eventos semelhantes, comprovando a inexistência de um local especial para os crentes de diferentes religiões. Encontramo-nos do outro lado da vida com a realidade que criamos intimamente para nós. Ao retornarmos desta experiência interdimensória recordamos prioritariamente o conteúdo emocional, manifestando-o em conformidade com nosso entendimento.

As diferentes constatações científicas como as dos médicos cientistas, Raymond Moddy Jr., Ken Ring, Elizabeth Kubler Ross[1], que realizaram estudos com pacientes que relatavam EQM despertam na comunidade científica a possibilidade da existência de uma consciência que independe do corpo físico e, portanto sobreviveria a morte do corpo. Tais assertivas assustam enormemente a comunidade materialista que apoiada em suas convicções ortodoxas não vê com bons olhos a possibilidade de perder o status pelos conceitos já formulados, o dogmatismo que levou a ciência a desvincular-se da religião no passado hoje impregna os grandes centros acadêmicos que temem rever suas concepções obsoletas.

A física quântica, com quase cem anos, é pouco difundida devido às resistências dogmáticas e interesses variados. Física e neurologia, aliadas, têm ambas buscado explicar a existência de uma consciência extracorpórea que presidiria as funções inteligentes do Homem. Essa consciência extracorpórea atende sob o nome de Espírito.

EQM e o processo comatoso potencializam o fenômeno de desdobramento do espírito, havendo então a possibilidade do espírito em seu veículo perispiritual observar limitadamente o mundo imaterial que o cerca diuturnamente.

O que mais assusta os céticos materialistas é que os estudos de EQM não nasceram das observações de crentes desta ou daquela religião, surgiram sob a investigação criteriosa de renomados pesquisadores despreocupados com as inclinações religiosas dos pacientes. A existência de diferentes e continuadas pesquisas nas mais diferentes instituições, nos mais diversos países, prenunciam uma mudança de paradigma que inevitavelmente ocorrerá. Esse movimento transformador culminará por constatar a existência de um ser espiritual que se sobrepõe à matéria, que sendo inteligente interage com o mundo físico, e que tem a possibilidade de retornar ao mundo orgânico através da lei biológica da reencarnação, forçando grandes mudanças nas concepções científicas vigentes.

Compreendendo tais alusões, entendendo ter o espírito ascendência sobre seu corpo material, trataremos com maior respeito nossos companheiros em processos comatosos, pois poderão eles estar ao nosso lado, participando ativamente de nossas vidas, encontrando-nos durante os sonhos, dependendo diretamente da relação de carinho que possamos lhes demonstrar para que se sintam motivados a lutar pelo restabelecimento.

Jamais poderemos esquecer que tudo obedece a um prévio planejamento, que muitas vezes participamos destes planejamentos e que cabe a nós, por exercício de nosso livre arbítrio seguirmos com aquilo que acordamos na espiritualidade. Sabemos que os últimos suspiros são as últimas amarras, que partidas, libertam o espírito para a vida na espiritualidade. Que estas amarras não podem ser cortadas pela ação do Homem sob o pressuposto de aliviar a morte, pois os laços devem ser desamarrados e jamais cortados. Qualquer corte brusco que signifique o não esgotamento natural das energias que prendem o espírito ao corpo podem significar um período de maior dor e vinculação ao corpo inerte. Deixemos que os últimos suspiros acendam na mente pela proximidade do desencarne as reflexões apuradas, que nos fazem rever atitudes, perdoar desafetos e valorizar a vida como benção de Deus. Deixemos o espírito refletir quanto ao: podia, devia, porque não fiz, queria que tivesse outra oportunidade. Chegando naturalmente a espiritualidade perceberá que pela graça divina a possibilidade de correção existe e consciente entregar-se-á em executá-la. Deixemos, por fim, que a morte nos transforme porque na maioria das vezes estamos inoperantes para as transformações que a vida nos deseja promover.

François.

25 de junho de 2005.


[1] Apontada pela revista Time como umas das cem maiores cientistas do século XX.