domingo, 3 de março de 2013

A MORTE

MORRER É APENAS NÃO SER VISTO. MORRER É A CURVA DA ESTRADA. (FERNANDO PESSOA).

Falar da morte, mesmo entre os espíritas, ainda parece-nos um tabu. Costumamos ouvir que somente as pessoas mais sinistras referem-se a ela. Fazer referencia a morte, para muitos, é cair em atitude pessimista. Acontece, porém, que a falta da reflexão com relação a esse tema nos faz cair em graves equívocos que nos fermentam o drama da partida. Não falar da morte não a impede de acontecer. A morte é fenômeno biológico e natural, única certeza no caminho dos seres vivos.

Todas as conquistas humanas necessitaram do esforço para serem concretizadas, já a morte, é o único fenômeno que ocorre sem a necessidade de nosso esforço pessoal, ela simplesmente acontece, provando sua naturalidade. Esse medo tem nos impossibilitado de fazer maiores reflexões a respeito do assunto, permitindo que aceitemos conjunções simplistas, como a idéias de purgatório, céu e inferno, ou ainda, a nossa inexistência total após a morte.

Todas as crenças e filosofias destacam Deus como sendo onisciente, ou seja, infinita sabedoria. Será que este Ser de infinita sabedoria ter-nos-ia criado sem uma finalidade útil, quando mesmo nós, seres humanos, de inteligência bastante limitada, sempre realizamos qualquer coisa com vistas a um objetivo? A própria lógica refuta a idéia do nada.

Nós sobrevivemos à morte. Somos um ser que reside num corpo e não o corpo em si. Jesus fala a Nicodemos com muita clareza sobre a necessidade de nascer de novo para todos aqueles que quiserem entrar no reino dos céus. Vem crescendo o número de pesquisadores que apontam a consciência não mais como substrato do cérebro, mas como uma entidade que transcende a falência orgânica. Entre estes pesquisadores poderemos citar, Elizabeth K. Ross e Raymond Moody Jr. com suas constatações do perfeito funcionamento da consciência mesmo quando os pacientes encontravam-se clinicamente mortos, relatando minuciosamente detalhes das cirurgias e reportando-se a contatos que puderam ter com amigos e familiares já desencarnados nesse curto espaço em que estiveram mortos. O psiquiatra canadense, Ian Stevenson, e seus mais de dois mil e seiscentos casos academicamente catalogados de reencarnação também segue nesse mesmo caminho.

A crença na possibilidade reencarnatória está presente em todas as culturas, em todos os tempos, só foi excluída do Catolicismo, e, portanto da cultura ocidental, em 553 d.C. por ocasião do Concílio de Constantinopla. Onde o Papa estava preso pelo imperador Justiniano e as decisões foram tomadas tendo em vista interesses econômicos, políticos e pessoais. Essa idéia por parecer financeiramente atrativa, com a possibilidade da venda das indulgências, seguiu como um ponto cego até os dias atuais. Seria muito mais fácil extorquir dinheiro com o medo do inferno do que com a crença na reencarnação.

Estamos cientificamente muito próximos de aceitar a sobrevivência da consciência após a morte do corpo biológico, ao ponto de que aqueles que assim não aceitarem tais conclusões estarão manifestando todo o seu preconceito intelectual. O mesmo ocorreu com as idéias de Galileu, quando afirmou que a Terra não era o centro do universo, ou com a teoria de Darwin, que até hoje gera discussões entre os mais dogmáticos, existindo sempre os refratários no desenvolvimento das ciências.

Constatando essa verdade, aprenderemos a aceitar que somos espíritos que continuaremos a existir mesmo com a morte de nosso corpo. Sobrevivendo após a morte do corpo, porque Deus, que é a expressão máxima do Amor, nos impediria de travar contato com aqueles a quem amamos e continuam vivendo no mundo corporal? Sendo inconcebível tal atitude por parte de Deus chegamos à fácil conclusão de que existe a real possibilidade de estarmos junto aos nossos, estejamos encarnados ou desencarnados, culminando na possibilidade da comunicação entre os envolvidos.

A manifestação dessas inteligências fora do corpo sempre existiu, não foi o Espiritismo que as criou, Allan Kardec sempre fora enfático neste ponto. Aconteceu que sendo o codificador um pedagogo ele as organizou de maneira que elas pudessem ser mais didáticas, transmitindo gama maior de ensinamentos. E a partir de então, essas manifestações espirituais passaram a ser vistas sob um novo aspecto, até então, pouco percebido. Constatou-se que existia uma ciência e uma filosofia de cunho moral por detrás desses fenômenos. Foi assim que das mesas girantes se evoluiu para as comunicações utilizando-se do equipamento biológico dos médiuns. Culminando em um período muito especial, no início do século vinte, onde grandes vultos das ciências atestavam a todo instante a veracidade dos fenômenos espíritas. Foi o caso do físico e químico inglês, William Crookes, prêmio Nobel de química, que deixou escrito sobre os fenômenos espíritas que estudou: “Não digo isto é possível, digo isso existe”. Ou ainda, Alfred Russel Wallace, Charles Richet (prêmio Nobel de medicina), Gustav Geley, e tantos outros. Mas, infelizmente, os interesses mesquinhos da maioria dos cientistas materialistas fez calar momentaneamente essas iniciativas.

Contamos ainda com renomados cientistas, não espíritas, mas que igualmente erguem e ergueram a bandeira da sobrevivência da consciência após a morte. É o caso de John Eccles, um dos maiores neurocientistas do século XX, ganhador do prêmio Nobel de 1963, que afirmava que necessitaria haver uma relação entre a mente e a alma para que se pudessem explicar os fenômenos cerebrais. Por tudo isso é viável se acreditar que a comunicação entre esses mundos possa acontecer. Apesar das faculdades mediúnicas facilitarem essas comunicações, todas as pessoas apresentam essa possibilidade em maior ou em menor grau.

Os espíritos nos informam que é o corpo que precisa de descanso, posto que o espírito nos períodos do sono pode erguer-se e rumar para os locais que mais lhe atraem na espiritualidade. Não são poucas vezes que tomamos conhecimento, através da literatura espírita, que muitos encarnados durante o período de descanso corporal visitam seus entes queridos desencarnados. O fato de não lembrarem de tais eventos é devido às limitações de nosso cérebro, que somente resiste a uma existência, e seria seriamente danificado se nos lembrássemos de muito do que já vivemos enquanto espíritos imortais. O esquecimento se faz uma benção na medida em que nos permite recomeçar uma nova jornada educacional sem as amarras conscientes dos equívocos pretéritos, facilitando a reconciliação com espíritos rivais de outras épocas sob nova vestimenta corporal.

Interessante destacar quais as grandes contribuições que esse novo ponto de vista com relação à morte e a certeza da sobrevivência do espírito nos legam. Em primeiro lugar passamos a desenvolver uma atitude de fé racional, onde não aceitamos mais as coisas porque nos dizem, mas porque compreendemos. Kardec e os espíritos superiores sempre pregaram que somente deveríamos aceitar aquilo que estivéssemos aptos a entender, essa é uma das principais contribuições do Espiritismo, o estímulo ao livre pensar. Por conseqüência desta fé racional nos tornamos mais vigorosos em nossa crença, pois temos a aliança entre a filosofia e a ciência nos demonstrando o porquê do crer, qual seu benefício. É essa mesma fé fortalecida que nos auxiliará quando das tormentas, pois enfrentaremos as dificuldades com outra mentalidade, já que passamos a compreender a nossa responsabilidade em tudo, e que se não localizamos a origem dos problemas na encarnação atual é fácil deduzir que sua origem é anterior. As mortes prematuras passam a ser vistas sob outro enfoque, assim como as facilidades de que desfrutam alguns indivíduos com relação às dificuldades de muitos outros. Aprendemos que somos eternos, e que, portanto, voltaremos a nos encontrar com aqueles que partiram. Não somos marinheiros de primeira viagem, estamos há muito tempo nesta mesmo oceano que chamamos vida, aprendendo em conjunto.

Uma das principais contribuições do Espiritismo é, como disseram os espíritos que ditaram as obras básicas, ferir de morte o materialismo. Fornecer as pessoas à certeza de que a vida continua, que continuaremos sendo os mesmos após a morte, com as mesmas dificuldades, as mesmas virtudes, e que a fuga por conta do suicídio passa a ser caracterizada como uma saída pela porta dos fundos na escola da vida, que ao invés de resolver, agrava os problemas existentes.

Pensando assim, a morte perde seu poder amedrontador, passa a ser a dócil visitante que nos recolhe após uma existência rica em aprendizado nos convidando ao retorno ao verdadeiro lar. Não importa mais as correntes religiosas ou filosóficas, a visão limitada e dogmática que nos faz rivalizar uns com os outros, por conta de buscar afirmar cada qual a sua verdade, tudo isso perde força. Pois, em todas as crenças há um mesmo Deus, de Amor, e que nos quer bem. Desejando que não amemos somente a Ele, mas uns aos outros, o que passa a importar é a consciência tranqüila, a busca do bem, do amar, e sendo assim, é possível ver trabalhando na Doutrina Espírita espíritos das mais diferentes caracterizações religiosas, católicos, protestantes, taoístas, budistas, hindus, muçulmanos, etc. Espíritos que compreenderam além da visão limitada e muitas vezes preconceituosa da religião, e entenderam que acima de tudo a vida é uma escola.

Frei Felipe

9 de abril de 2006.