sábado, 8 de setembro de 2012

UMA VISÃO DE PAULO I

O czar Paulo l, que não era senão o grão-duque Paulo, se achava em Bruxelas, numa reunião de alguns amigos, onde falavam de fenômenos considerados como sobrenaturais, contou o fato seguinte (Extraído do Grand Journal de 3 de março de 1866, e tirado de uma obra do Sr. Hortensius de Saint Albin, intitulada: O Culto de Satã.):

"Eu estava, uma tarde, ou antes, uma noite, nas ruas de São Petersburgo, com

Kourakin e dois criados. Tínhamos ficado muito tempo a conversar e a fumar, e nos veio a ideia de sairmos do palácio, incógnitos, para ver a cidade ao clarão da lua. Não fazia frio, os dias se alongavam; era um desses momentos mais doces de nossa primavera, tão pálido em comparação com os do Sul. Estávamos alegres; não pensávamos em nada de religioso nem mesmo de sério, e Kourakin me recitava mil gracejos sobre os transeuntes muito raros que encontrávamos. Eu caminhava à frente; uma de nossas pessoas me precedia, no entanto; Kourakin ficava alguns passos atrás, e o outro doméstico me seguiam pouco mais longe. A lua estava clara, ter-se-ia podido ler uma carta; também as sombras, por oposição, eram longas e espessas.

"Na volta de uma rua, no vão de uma porta, percebi um homem grande e magro, envolvido num manto, como um Espanhol, com um chapéu militar muito rebaixado sobre seus olhos. Ele parecia esperar, e desde que passamos diante dele, saiu de seu retiro e se pôs à minha esquerda, sem dizer uma palavra, sem fazer um gesto. Era impossível distinguir seus traços: somente seus passos, batendo nas lajes, produziam um som estranho, semelhante ao de uma pedra que bate em outra. Primeiro, fiquei admirado desse choque; depois, pareceu-me que todo o lado que ele tocava quase se resfriava pouco a pouco. Senti um frio glacial penetrar meus membros, e, voltando-me para Kourakin, disse-lhe:

"Eis uma singular companhia que temos aí!

- Qual companhia? perguntou ele.

- Mas, aqui caminha à minha esquerda e faz bastante barulho, me parece."

"Kourakin abriu os olhos espantado, e assegurou-me que à minha esquerda não via ninguém.

- Como! tu não vês à minha esquerda um homem com manta que está entre a parede e mim?

-Vossa alteza mesma toca a parede, e não há lugar para ninguém entre a parede e vós."

"Alonguei um pouco o braço; com efeito, senti a pedra. No entanto, o homem estava lá, sempre caminhando desse mesmo passo de martelo que se regulava sobre o meu. Então, examinei-o atentamente, e vi brilhar sob seu chapéu, de forma singular, o olhar mais cintilante que jamais encontrei. Esse olho me olhava, me fascinava; não podia fugir-lhe ao raio de luz. Ah! disse a Kourakin, não sei o que sinto, mas é estranho!

"Eu tremia, não de medo, mas de frio. Sentia-me pouco a pouco ganhar até no

coração por uma impressão que nada me pôde explicar. Meu sangue congelou em minhas veias. De repente uma voz profunda e melancólica saiu desse manto que escondia sua boca e chamou-me pelo nome: "Paulo!"

Respondi maquinalmente, levado não sei por que força: "Que queres tu?"

"- Paulo!" repetiu ele. - E esta vez o acento era mais afetuoso e mais triste ainda. Não repliquei nada, esperei, ele chamou-me de novo em seguida se deteve sem mais nada.

Fui constrangido a fazê-lo também. "Paulo! Pobre Paulo! pobre príncipe!"

"Voltei-me para Kourakin, que se deteve também.

"Ouviste? Disse-lhe.

- Nada absolutamente, meu senhor; e vós?

" Quanto a mim, eu ouvi; o lamento ressoa ainda em meu ouvido. Fiz um esforço imenso, e perguntei a esse ser misterioso quem era e o que queria.

"Pobre Paulo! quem sou? Sou aquele que se interessa por ti. O que quero? Quero que não te apegues muito a este mundo, porque aí não ficarás por muito tempo. Vive como justo, se desejas morrer em paz; e não despreze o remorso, é o suplício mais pungente das grandes almas."

"Ele retomou seu caminho, olhando-me sempre com esse olhar que parecia se

destacar de sua testa, e do mesmo modo que fui forçado a deter-me com ele, fui forçado a caminhar com ele. Não me falou mais e não senti mais o desejo de dirigir-lhe a palavra. Eu o seguia, porque era ele quem dirigia a caminhada, e esse curso durou mais de uma hora ainda, em silêncio, sem que eu pudesse dizer por onde tinha passado. Kourakin e os lacaios não lembravam disso. Vi-o sorrir: ele acreditava ainda que eu tinha sonhado tudo isso.

"Enfim, nos aproximamos da Grande Praça, entre a ponte da Neva e o Palácio dos Senadores. O homem ia direto para um ponto dessa praça, onde o segui, bem entendido, e lá se deteve ainda.

"Paulo, adeus. Tu me reverás aqui e em outra parte ainda."

Depois, como se fosse tocado, seu chapéu se levantou levemente sozinho; eu distingui então muito facilmente seu rosto. Apesar de mim, recuei: era o olhar de águia, era afronte bronzeada, o sorriso severo de meu avô Pedro o Grande. Antes que saísse de minha surpresa, de meu terror, tinha desaparecido.

"Foi nessa mesma praça que a imperatriz levantou o célebre monumento que logo faria a admiração de toda a Europa, e que representa o czar Pedro a cavalo. Um imenso bloco de granito é a base dessa estátua. E não fui eu quem designou à minha mãe esse lugar, escolhido ou antes adivinhado antecipadamente pelo fantasma. E confesso que ali encontrando essa estátua, não sei que sentimento se apoderou de mim. Tinha medo de ter medo, apesar do príncipe Kourakin, que quer me persuadir de que sonhei todo desperto passeando pelas ruas.

Lembro-me do menor detalhe dessa visão, porque se ela era uma, persisto em sustentá-la. Parece-me que estou ali ainda. Retornei ao palácio, cansado como se tivesse feito uma longa caminhada e literalmente gelado do lado esquerdo. Foram-me necessárias várias horas para me aquecer num leito ardente e sob os cobertores."

O grão-duque Paulo lamentou mais tarde ter falado dessa aventura, e procurou

colocá-la à conta de gracejo, mas as preocupações que ela lhe causou fizeram pensar que tinha alguma coisa de sério.

Tendo o fato sido lido na Sociedade de Paris, mas sem intenção de fazer qualquer pergunta a esse respeito, um dos médiuns obteve espontaneamente e sem evocação a comunicação seguinte:

(Sociedade de Paris, 9 de março de 1866. - Médium, Sr. Morin.)

Na fase nova em que entrastes com a chave que vos deu o Espiritismo, ou revelação dos Espíritos, tudo deve se explicar, ao menos o que estais aptos a

compreender. A existência da mediunidade vidente foi a primeira de todas as faculdades dadas ao homem para se corresponder com o mundo invisível, por causa de tantos fatos que permaneceram até hoje ainda sem explicação racional. Fazei, com efeito, um retorno sobre as diferentes épocas da Humanidade, e observai com atenção todas as tradições que chegaram até vós, e por toda a parte, naqueles que vos precederam, encontrareis seres que estiveram, pela visão, em relação com o mundo dos Espíritos.

De todos os tempos, entre todos os povos, as crenças religiosas se estabeleceram sobre as revelações de visionários ou médiuns videntes.

Os homens, são muito pequenos por si mesmos, foram sempre assistidos por

aqueles invisíveis que os haviam precedido na erraticidade, e que, obedecendo à lei de reciprocidade universal, vinham lhes trazer, por comunicações frequentemente inconscientes, os conhecimentos adquiridos por eles, e traçar-lhes a conduta a seguir para descobrir a verdade.

A primeira das faculdades mediúnicas, eu o disse, foi a visão; quantos adversários encontrou entre os interessados de todos os tempos! Mas não seria preciso induzir de minha linguagem que todas as visões são resultado de comunicações reais; muitas são devidas à alucinação de cérebros enfraquecidos ou resultado de um complô urdido para servir um cálculo ou satisfazer um orgulho.

Crede-me, o médium vidente é de todos o mais impressionável; o que viu se grava melhor no espírito. Quando vosso grão-duque (Vários Russos assitiam à sessão na qual essa comunicação foi dada; sem dúvida, foi o que motivou a expressão: Vosso grão-duque.), fanfarrão e vão como a maioria daqueles de sua raça, viu seu avô lhe aparecer, porque era bem uma visão, que tinha sua razão de ser na missão que Pedro, O Grande, tinha aceito em favor de seu neto, e que consistia em conduzi-lo e inspirá-lo, desde esse instante, a mediunidade no duque foi permanente, e só o medo do ridículo o impediu de contar todas as suas visões aos seus amigos.

A mediunidade vidente não era a única que ele possuía; tinha também a intuição e a audição; mas, muito imbuído dos princípios de sua primeira educação, se recusou aproveitar as sábias advertências que seus guias lhe davam. Foi pela audição que ele teve a revelação de seu fim trágico. Depois desse tempo, seu Espírito progrediu muito; hoje ele não teme mais o ridículo crendo na visão, é porque ele vem vos dizer:

"Graças aos meus caros instrutores espirituais e à observação dos fatos, creio na manifestação dos Espíritos, na sobrevivência da alma, na eterna onipotência de Deus, no progresso constante para o bem dos homens e dos povos, e me sinto muito honrado que uma de minhas puerilidades tenha dado lugar a uma dissertação em que tenho tudo a ganhar e vós não tendes nada a perder.

"PAULO."

Revista Espírita, abril de 1866.