Não há dúvida que foi um dos melhores filmes que já assisti, não pela qualidade da produção, apesar de não deixar nada a dever, mas o que mais me encantou foi à mensagem que o filme foi capaz de transmitir. Sentia-me motivado a empreender o utópico esforço de transformar o mundo. Pois é disso que o filme tratava, de um homem que teve essa capacidade, soube fazer a diferença quando surgiu a oportunidade. Como não o conhecia antes? Afinal, quem era Henry Dunant? Para minha surpresa o filme narrava à realidade, Henry Dunant existira, fora uma dessas personalidades que deixaram um legado de altruísmo e coragem as gerações futuras. Não somente sugiro que tentem ver o filme (Henry Dunant, du Rouge sur Croix), que leva seu nome no título, como me incumbo do dever de relatar-lhes algo de sua vida.
Henry Dunant nascera em Genebra, Suíça, em 8 de maio de 1828. Seu pai Jean-Jaques Dunant era comerciante e ao que parece tanto ele quanto a mãe foram inspiradores de Henry através do envolvimento freqüente em causas assistenciais. Henry vinha de uma família calvinista e tinha na fé em Deus uma de suas mais salientes características. Frequentemente era visto nos sermões do pastor Gaussen, bastante conhecido em Genebra. Especula-se que possa ter sido membro da franco-maçonaria, entretanto, na há confirmação nesse sentido.
Aos dezoito anos, empolgado por movimentos que desejavam a renovação social do século XIX, forma junto com um grupo de amigos a “reunião da quinta-feira” com o objetivo de estudar a bíblia e auxiliar pessoas enfermas. A partir de então, envolvido pelo seu idealismo, utiliza suas noites e seus domingos para visitar os presos da prisão Évêché (que atualmente não existe mais) e ajudar os pobres. Em 30 de novembro de 1852 ele funda um grupo em Genebra que servirá de inspiração posterior para a criação do Young Men’s Christian Association (Associação Cristã de moços) fundado três anos mais tarde em Paris.
Henry conclui seus estudos com facilidade e assume função em um banco. Em 1853 representando a Companhia Genebresa das Colônias Suíças dirige-se a Sétif, onde a empresa houvera recebido uma concessão de terras do governo francês. Argélia, Tunísia e a Sicília também fazem parte de seu roteiro. Apesar das dificuldades consegue conduzir com sucesso os interesses da empresa na região. Inspirado por suas impressões publica em 1858 sua primeira obra literária, intitulada “Notice sur la Régence de Tunis”. Suas impressões são entusiasmadamente aceitas por muitas sociedades científicas.
Havia fundado em 1856 uma sociedade colonial, obtendo concessão de terras na Argélia. Com dificuldades para fazer funcionar seus moinhos e na falta de uma legislação que regesse a exploração dos cursos de água vê-se em meio a um conflito local. Em 1858 adquire nacionalidade francesa, decidindo um ano mais tarde dirigir-se ao Imperador Napoleão III pessoalmente para resolver essas questões. Entretanto, Napoleão III encontrava-se junto de seu exército na Lombardia. Os franceses se juntaram aos italianos para expulsar os austríacos que ocupavam boa parte do norte da Itália. A base de operações do exército francês ficava na pequena cidade de Solferino. Para lá se dirige Henry Dunant na expectativa de tratar diretamente com o Imperador.
Em 24 de junho de 1859 Henry chega aos arredores do campo onde haviam lutado franceses e piemonteses contra os austríacos. Entre mortos e feridos estima-se que 38 mil soldados tombaram nessa batalha sem qualquer tipo de assistência humanitária. Constrangido com a cena que vê toma por iniciativa estimular os civis a organizar assistência aos feridos. Utiliza a Igreja Chiesa Maggiore, a maior igreja de Castiglione delle Stiviere, para abrigar os feridos, lotando-a e fazendo dela um hospital. Há escassez de todo tipo de recursos para atender aos feridos e mesmo de víveres. Fazendo o possível dedicam-se a atender todos os feridos independentemente de sua nacionalidade. As mulheres da pequena cidade que atuavam como enfermeiras entenderam a idéia afirmando espontaneamente que todos eram irmãos.
Chega a Castiglione um agrupamento de soldados franceses que entre os muitos prisioneiros austríacos que haviam feito constava um bom número de médicos. Dunant negocia para que os médicos austríacos fossem libertados para tratar dos muitos doentes entre a vida e morte. Adquirindo respeito e admiração pela forma com que tratava os doentes, independentemente do lado em que lutavam, consegue angariar recursos que melhoram as condições de atendimento, mas que não evitam que o número de perdas seja ainda muito grande.
Henri retorna a Genebra no início de julho em estado de choque com tudo que presenciara. Passa alguns dias com sua família e logo viaja por algumas semanas a Paris. Por sua ação em Solferino, ele recebe em janeiro de 1860, juntamente com o médico Genebrês, Louis Appia, a Ordem de Santo Maurício e Santo Lázaro da parte do Rei da Itália Victor-Emmanuel II.
Em 1860 Henri volta suas atenções a situação de suas empresas na Argélia, as condições eram ruins, em meio ao conflito acabara esquecendo os motivos que o levaram a Solferino, deixando as empresas a própria sorte. Como, porém, não conseguiu esquecer as cenas que vira em Solferino escrevera suas impressões a um amigo, que anonimamente as publicara no jornal de Genebra. Era a primeira vez que alguém ousava descrever os horrores de um campo de batalha. Essas impressões lhe estimularam a escrever a obra “Um souvenir de Solferino”, que entre outras coisas defendia a idéia de que o sofrimento dos soldados deveria ser amenizado. “Um militar fora de combate deixa de ser um inimigo devendo ser considerado um ser humano que necessita de ajuda”. “Médicos e enfermeiros não devem ser capturados ou perseguidos, assim não precisariam abandonar seus doentes em situação de risco”.
Em setembro de 1862 Henry Dunant financia por conta própria a publicação de seu livro, distribuindo os 1600 volumes a um grande número de autoridades européias. Passa então a empreender viagem para a divulgação de suas idéias. Elas são recebidas com entusiasmo atraindo a simpatia geral. Em sua terceira edição o livro é traduzido para o inglês, alemão, italiano e sueco, contrariando o ministro da guerra francês, Jacques Louis Randon, que entendia que o livro era dirigido contra a atuação francesa na guerra. Surgem opositores de sua idéia advogando que tais medidas, se adotadas acarretariam altos custos aos governos.
Gustave Moynier, jurista, expõe as idéias de Dunant em assembléia na reunião da Sociedade de Utilidade Pública de Genebra em 9 de fevereiro de 1863. As idéias são avaliadas e consideradas realizáveis por vários membros. O próprio Henry Dunant é nomeado membro de uma comissão que conta ainda com Sr. Moynier, o general Guillaume-Henri Dufour e os médicos Louis Appia e Théodore Maunoir, tendo sua primeira reunião no dia 17 de fevereiro e tornando-a permanente. Um marco na história da fundação da futura Cruz Vermelha.
Apesar do êxito em fundar a Cruz Vermelha internacional reconhecida em 1864 pela convenção de Genebra a vida de Henry Dunant continuou bastante movimentada. Seus atritos com Moynier faz com que Dunant se afaste da entidade. A situação de suas empresas na Argélia em 1867 eram críticas, revoltas e epidemias, principalmente de cólera, somavam-se a falta de recursos financeiros. Relegara por muito tempo a administração dos negócios pessoais para defender a causa humanitária que abraçara. Acaba envolvido em uma clamorosa falência, sendo condenado pelo tribunal de comércio genebrês por falência fraudulenta. O envolvimento nesse escândalo comercial faz com que Henry se veja obrigado a afastar-se do sonho por que tanto lutara, para não manchar a imagem da instituição recém fundada abdica de seu lugar na Comissão Internacional da Cruz Vermelha. Sua desdita não fica nisso, em 1868 morre sua mãe e ao longo do mesmo ano é excluído da Associação Cristã de Moços que ajudara a fundar.
A sociedade de Genebra depois de sua condenação pública lhe vira as costas, mesmo seus amigos se recusam a amparar-lhe financeiramente. Falido, Henry parte para viver em Paris, entretanto, não desiste de seu idealismo. Durante a guerra franco-alemã 1870-1871 ele funda outra instituição de amparo. Deseja inspirar a diminuição dos conflitos armados e a melhoria das condições morais e culturais dos cidadãos. Divulgando idéias pela implantação de um tribunal internacional onde se possam resolver conflitos sem necessidade das armas, e clama pelo desarmamento das nações.
Durante o primeiro congresso da Aliança em 1872 em Paris defende um tratamento digno aos prisioneiros de guerra, proposição que havia escrito em 1867 para a primeira conferência da Cruz Vermelha, mas que na época foi desconsiderada. Vai a Inglaterra defender essas mesmas idéia na Associação de Ciência Social. Espírito ativo não cessa de trabalhar pelo que acredita.
Henri ainda faria discursos inflamados e escreveria artigos defendendo a liberdade dos escravos na América do Norte, apoiaria a idéia de Max Gracia para a fundação de uma biblioteca mundial, o que foi construída pela Unesco um século depois. Outra de suas idéias visionárias foi à criação do Estado de Israel. Em razão de seu idealismo deixou de lado a vida profissional. Influenciado pela situação política da terceira república Henry Dunant se retira da vida pública em definitivo.
De 1874 a 1886 vive sozinho feito nômade, em completa miséria material, nesse período de intensas dificuldades sobrevive com a ajuda de alguns amigos sinceros que ainda encontrava. Henri estabelece-se em Heiden, na suíça alemã. Em setembro de 1895, Georg Baumberger, redator chefe do jornal Die Ostschweiz, escreve um artigo chamado “Henri Dunant, o fundador da Cruz Vermelha”, que vinculado a uma revista alemã de grande circulação em poucos dias é lido em toda a Europa. Henry recebe mensagens de admiração de todo o mundo, e obtém uma pensão anual da Czarina russa Maria Fedorovna, o que lhe auxilia na difícil situação financeira.
Essa manifestação de apoio lhe dá novo ânimo. Retorna a escrever defendo o fim do militarismo, troca correspondência com importantes pacifistas, defende a igualdade entre homens e mulheres, sugere a criação de uma federação de enfermeiras internacionais. Porém a Comissão da Cruz Vermelha segue lhe evitando. Em 10 de dezembro de 1901 vê seus esforços de certa forma reconhecidos pela opinião pública, recebe um telegrama que dizia assim: “Para Henry Dunant, Heiden. O comitê Nobel do parlamento norueguês tem a honra de vos comunicar que lhe oferece o prêmio Nobel da Paz de 1901, a você, Henry Dunant, e Frédéric Passy. O comitê vos envia seu respeito e admiração”. Esse prêmio de alguma forma resgatava tardiamente, depois de 34 anos, o trabalho de Henry Dunant, sua inspiração e esforço para a criação da Cruz Vermelha.
Henry Dunant passa seus últimos anos no hospital de Heiden, depressivo e tendo receio de ter errado ao longo de sua relação com Moynier, com quem tivera divergências na Comissão da Cruz Vermelha. Afasta-se do Calvinismo e de toda instituição religiosa em seus últimos dias, porém, mantêm-se firme em suas reflexões morais e até certo ponto proféticas. Conforme contam as enfermeiras que dele tomavam conta, seu último ato em vida foi enviar uma cópia de seu livro (Um souvenir de Solferino) à rainha da Itália. Morrera como vivera, empenhado na causa que adotara até o último suspiro.
Foi enterrado no cemitério Sihlfeld de Zurique, de maneira simples e sem cerimônia, pouquíssimas pessoas acompanharam a inumação. Em seu testamento deixou a pequena fortuna obtida com o prêmio Nobel para a criação de leitos livres no hospital de Heiden, dedicando outro montante do dinheiro em reconhecimento a algumas pessoas que sempre estiveram de seu lado e a duas sedes européias da Cruz Vermelha.
Eis quem foi Henry Dunant, idealista, extremamente ativo, muitas vezes difamado, mas o merecido ganhador da primeira edição do Nobel da Paz. A quem presto meu reconhecimento e admiração.
Acabo de assistir a esse filme por ti indicado e, realmente, uma história que nos impulsiona !
ResponderExcluirParabéns pelos comentários e pela biografia de Henry Dunant.