sábado, 21 de março de 2009

Henry Dunant

Algum tempo atrás me coloquei na frente da televisão como quem não quer nada, trocando aleatoriamente de canal acabei por encontrar um filme que me interessou, um filme de contexto histórico. Esse filme retratava a biografia de Henry Dunant. Quem era Henry Dunant, lembro de ter me perguntado. Imaginei que estava diante de um filme qualquer, mais uma história tirada da cabeça de algum habilidoso escritor. Porém, os detalhes históricos passaram a me chamar a atenção. A narrativa foi me prendendo, e quando vi já era madrugada e continuava assistindo o filme. Ainda bem que assim o fiz.
Não há dúvida que foi um dos melhores filmes que já assisti, não pela qualidade da produção, apesar de não deixar nada a dever, mas o que mais me encantou foi à mensagem que o filme foi capaz de transmitir. Sentia-me motivado a empreender o utópico esforço de transformar o mundo. Pois é disso que o filme tratava, de um homem que teve essa capacidade, soube fazer a diferença quando surgiu a oportunidade. Como não o conhecia antes? Afinal, quem era Henry Dunant? Para minha surpresa o filme narrava à realidade, Henry Dunant existira, fora uma dessas personalidades que deixaram um legado de altruísmo e coragem as gerações futuras. Não somente sugiro que tentem ver o filme (Henry Dunant, du Rouge sur Croix), que leva seu nome no título, como me incumbo do dever de relatar-lhes algo de sua vida.
Henry Dunant nascera em Genebra, Suíça, em 8 de maio de 1828. Seu pai Jean-Jaques Dunant era comerciante e ao que parece tanto ele quanto a mãe foram inspiradores de Henry através do envolvimento freqüente em causas assistenciais. Henry vinha de uma família calvinista e tinha na fé em Deus uma de suas mais salientes características. Frequentemente era visto nos sermões do pastor Gaussen, bastante conhecido em Genebra. Especula-se que possa ter sido membro da franco-maçonaria, entretanto, na há confirmação nesse sentido.
Aos dezoito anos, empolgado por movimentos que desejavam a renovação social do século XIX, forma junto com um grupo de amigos a “reunião da quinta-feira” com o objetivo de estudar a bíblia e auxiliar pessoas enfermas. A partir de então, envolvido pelo seu idealismo, utiliza suas noites e seus domingos para visitar os presos da prisão Évêché (que atualmente não existe mais) e ajudar os pobres. Em 30 de novembro de 1852 ele funda um grupo em Genebra que servirá de inspiração posterior para a criação do Young Men’s Christian Association (Associação Cristã de moços) fundado três anos mais tarde em Paris.
Henry conclui seus estudos com facilidade e assume função em um banco. Em 1853 representando a Companhia Genebresa das Colônias Suíças dirige-se a Sétif, onde a empresa houvera recebido uma concessão de terras do governo francês. Argélia, Tunísia e a Sicília também fazem parte de seu roteiro. Apesar das dificuldades consegue conduzir com sucesso os interesses da empresa na região. Inspirado por suas impressões publica em 1858 sua primeira obra literária, intitulada “Notice sur la Régence de Tunis”. Suas impressões são entusiasmadamente aceitas por muitas sociedades científicas.
Havia fundado em 1856 uma sociedade colonial, obtendo concessão de terras na Argélia. Com dificuldades para fazer funcionar seus moinhos e na falta de uma legislação que regesse a exploração dos cursos de água vê-se em meio a um conflito local. Em 1858 adquire nacionalidade francesa, decidindo um ano mais tarde dirigir-se ao Imperador Napoleão III pessoalmente para resolver essas questões. Entretanto, Napoleão III encontrava-se junto de seu exército na Lombardia. Os franceses se juntaram aos italianos para expulsar os austríacos que ocupavam boa parte do norte da Itália. A base de operações do exército francês ficava na pequena cidade de Solferino. Para lá se dirige Henry Dunant na expectativa de tratar diretamente com o Imperador.
Em 24 de junho de 1859 Henry chega aos arredores do campo onde haviam lutado franceses e piemonteses contra os austríacos. Entre mortos e feridos estima-se que 38 mil soldados tombaram nessa batalha sem qualquer tipo de assistência humanitária. Constrangido com a cena que vê toma por iniciativa estimular os civis a organizar assistência aos feridos. Utiliza a Igreja Chiesa Maggiore, a maior igreja de Castiglione delle Stiviere, para abrigar os feridos, lotando-a e fazendo dela um hospital. Há escassez de todo tipo de recursos para atender aos feridos e mesmo de víveres. Fazendo o possível dedicam-se a atender todos os feridos independentemente de sua nacionalidade. As mulheres da pequena cidade que atuavam como enfermeiras entenderam a idéia afirmando espontaneamente que todos eram irmãos.
Chega a Castiglione um agrupamento de soldados franceses que entre os muitos prisioneiros austríacos que haviam feito constava um bom número de médicos. Dunant negocia para que os médicos austríacos fossem libertados para tratar dos muitos doentes entre a vida e morte. Adquirindo respeito e admiração pela forma com que tratava os doentes, independentemente do lado em que lutavam, consegue angariar recursos que melhoram as condições de atendimento, mas que não evitam que o número de perdas seja ainda muito grande.
Henri retorna a Genebra no início de julho em estado de choque com tudo que presenciara. Passa alguns dias com sua família e logo viaja por algumas semanas a Paris. Por sua ação em Solferino, ele recebe em janeiro de 1860, juntamente com o médico Genebrês, Louis Appia, a Ordem de Santo Maurício e Santo Lázaro da parte do Rei da Itália Victor-Emmanuel II.
Em 1860 Henri volta suas atenções a situação de suas empresas na Argélia, as condições eram ruins, em meio ao conflito acabara esquecendo os motivos que o levaram a Solferino, deixando as empresas a própria sorte. Como, porém, não conseguiu esquecer as cenas que vira em Solferino escrevera suas impressões a um amigo, que anonimamente as publicara no jornal de Genebra. Era a primeira vez que alguém ousava descrever os horrores de um campo de batalha. Essas impressões lhe estimularam a escrever a obra “Um souvenir de Solferino”, que entre outras coisas defendia a idéia de que o sofrimento dos soldados deveria ser amenizado. “Um militar fora de combate deixa de ser um inimigo devendo ser considerado um ser humano que necessita de ajuda”. “Médicos e enfermeiros não devem ser capturados ou perseguidos, assim não precisariam abandonar seus doentes em situação de risco”.
Em setembro de 1862 Henry Dunant financia por conta própria a publicação de seu livro, distribuindo os 1600 volumes a um grande número de autoridades européias. Passa então a empreender viagem para a divulgação de suas idéias. Elas são recebidas com entusiasmo atraindo a simpatia geral. Em sua terceira edição o livro é traduzido para o inglês, alemão, italiano e sueco, contrariando o ministro da guerra francês, Jacques Louis Randon, que entendia que o livro era dirigido contra a atuação francesa na guerra. Surgem opositores de sua idéia advogando que tais medidas, se adotadas acarretariam altos custos aos governos.
Gustave Moynier, jurista, expõe as idéias de Dunant em assembléia na reunião da Sociedade de Utilidade Pública de Genebra em 9 de fevereiro de 1863. As idéias são avaliadas e consideradas realizáveis por vários membros. O próprio Henry Dunant é nomeado membro de uma comissão que conta ainda com Sr. Moynier, o general Guillaume-Henri Dufour e os médicos Louis Appia e Théodore Maunoir, tendo sua primeira reunião no dia 17 de fevereiro e tornando-a permanente. Um marco na história da fundação da futura Cruz Vermelha.



Apesar do êxito em fundar a Cruz Vermelha internacional reconhecida em 1864 pela convenção de Genebra a vida de Henry Dunant continuou bastante movimentada. Seus atritos com Moynier faz com que Dunant se afaste da entidade. A situação de suas empresas na Argélia em 1867 eram críticas, revoltas e epidemias, principalmente de cólera, somavam-se a falta de recursos financeiros. Relegara por muito tempo a administração dos negócios pessoais para defender a causa humanitária que abraçara. Acaba envolvido em uma clamorosa falência, sendo condenado pelo tribunal de comércio genebrês por falência fraudulenta. O envolvimento nesse escândalo comercial faz com que Henry se veja obrigado a afastar-se do sonho por que tanto lutara, para não manchar a imagem da instituição recém fundada abdica de seu lugar na Comissão Internacional da Cruz Vermelha. Sua desdita não fica nisso, em 1868 morre sua mãe e ao longo do mesmo ano é excluído da Associação Cristã de Moços que ajudara a fundar.
A sociedade de Genebra depois de sua condenação pública lhe vira as costas, mesmo seus amigos se recusam a amparar-lhe financeiramente. Falido, Henry parte para viver em Paris, entretanto, não desiste de seu idealismo. Durante a guerra franco-alemã 1870-1871 ele funda outra instituição de amparo. Deseja inspirar a diminuição dos conflitos armados e a melhoria das condições morais e culturais dos cidadãos. Divulgando idéias pela implantação de um tribunal internacional onde se possam resolver conflitos sem necessidade das armas, e clama pelo desarmamento das nações.
Durante o primeiro congresso da Aliança em 1872 em Paris defende um tratamento digno aos prisioneiros de guerra, proposição que havia escrito em 1867 para a primeira conferência da Cruz Vermelha, mas que na época foi desconsiderada. Vai a Inglaterra defender essas mesmas idéia na Associação de Ciência Social. Espírito ativo não cessa de trabalhar pelo que acredita.
Henri ainda faria discursos inflamados e escreveria artigos defendendo a liberdade dos escravos na América do Norte, apoiaria a idéia de Max Gracia para a fundação de uma biblioteca mundial, o que foi construída pela Unesco um século depois. Outra de suas idéias visionárias foi à criação do Estado de Israel. Em razão de seu idealismo deixou de lado a vida profissional. Influenciado pela situação política da terceira república Henry Dunant se retira da vida pública em definitivo.
De 1874 a 1886 vive sozinho feito nômade, em completa miséria material, nesse período de intensas dificuldades sobrevive com a ajuda de alguns amigos sinceros que ainda encontrava. Henri estabelece-se em Heiden, na suíça alemã. Em setembro de 1895, Georg Baumberger, redator chefe do jornal Die Ostschweiz, escreve um artigo chamado “Henri Dunant, o fundador da Cruz Vermelha”, que vinculado a uma revista alemã de grande circulação em poucos dias é lido em toda a Europa. Henry recebe mensagens de admiração de todo o mundo, e obtém uma pensão anual da Czarina russa Maria Fedorovna, o que lhe auxilia na difícil situação financeira.
Essa manifestação de apoio lhe dá novo ânimo. Retorna a escrever defendo o fim do militarismo, troca correspondência com importantes pacifistas, defende a igualdade entre homens e mulheres, sugere a criação de uma federação de enfermeiras internacionais. Porém a Comissão da Cruz Vermelha segue lhe evitando. Em 10 de dezembro de 1901 vê seus esforços de certa forma reconhecidos pela opinião pública, recebe um telegrama que dizia assim: “Para Henry Dunant, Heiden. O comitê Nobel do parlamento norueguês tem a honra de vos comunicar que lhe oferece o prêmio Nobel da Paz de 1901, a você, Henry Dunant, e Frédéric Passy. O comitê vos envia seu respeito e admiração”. Esse prêmio de alguma forma resgatava tardiamente, depois de 34 anos, o trabalho de Henry Dunant, sua inspiração e esforço para a criação da Cruz Vermelha.
Henry Dunant passa seus últimos anos no hospital de Heiden, depressivo e tendo receio de ter errado ao longo de sua relação com Moynier, com quem tivera divergências na Comissão da Cruz Vermelha. Afasta-se do Calvinismo e de toda instituição religiosa em seus últimos dias, porém, mantêm-se firme em suas reflexões morais e até certo ponto proféticas. Conforme contam as enfermeiras que dele tomavam conta, seu último ato em vida foi enviar uma cópia de seu livro (Um souvenir de Solferino) à rainha da Itália. Morrera como vivera, empenhado na causa que adotara até o último suspiro.
Foi enterrado no cemitério Sihlfeld de Zurique, de maneira simples e sem cerimônia, pouquíssimas pessoas acompanharam a inumação. Em seu testamento deixou a pequena fortuna obtida com o prêmio Nobel para a criação de leitos livres no hospital de Heiden, dedicando outro montante do dinheiro em reconhecimento a algumas pessoas que sempre estiveram de seu lado e a duas sedes européias da Cruz Vermelha.
Eis quem foi Henry Dunant, idealista, extremamente ativo, muitas vezes difamado, mas o merecido ganhador da primeira edição do Nobel da Paz. A quem presto meu reconhecimento e admiração.

domingo, 15 de março de 2009

Francisco do Espírito Santo Neto em São Leopoldo

Francisco do Espírito Santo Neto, autor de diversos livros em parceria com o espírito de Hammed, estará em São Leopoldo no dia 17 de maio de 2009 para realizar exposição. A palestra ocorrerá na E. M. E. F. Maria Gusmão Britto às 10h, uma manhã de domingo. O evento é gratuito, e, estaremos recolhendo alimentos que serão doados à IEDE.

sexta-feira, 6 de março de 2009

Idéias que fazem mais mal do que bem

O espiritualismo das tradições de língua inglesa deixam evidente sua clara preferência pela fenomenologia, deixando de lado as questões filosóficas advindas da existência dos fenômenos. Os excessos que advém dessa busca pode ocasionar situações constrangedoras, e mesmo provocar distorções concentuais nos desprevinidos adeptos do Espiritismo.
Vejamos, porém, que estas questões são antigas, pois o próprio Allan Kardec faz a elas referência no ano de 1860, como exporemos abaixo:

Os Espíritos Glóbulos
Revista Espírita, fevereiro de 1860
O desejo de ver os Espíritos é uma coisa muito natural, e conhecemos poucas pessoas que não desejam gozar desta faculdade; infelizmente é uma das mais raras, sobretudo quando é permanente. As aparições espontâneas são bastante freqüentes, mas são acidentais, e quase sempre motivadas por uma circunstância toda individual, baseada sobre as relações que puderam existir entre o vidente e o Espírito que lhe aparece; outra coisa é, pois, ver fortuitamente um Espírito ou vê-lo habitualmente, e nas condições normais mais comuns; ora, está aí o que constitui, propriamente falando, a faculdade dos médiuns videntes. Ela resulta de uma aptidão especial cuja causa é ainda desconhecida, e que pode se desenvolver, mas que se provocaria em vão quando não exista a predisposição natural. É necessário, pois, manter-se em guarda com outras ilusões que podem nascer no desejo de possuí-la, e que deram lugar a estranhos sistemas. Quanto mais combatamos as teorias duvidosas pelas quais se atacam as manifestações, sobretudo quando essas teorias acusam a ignorância dos fatos, mais devemos procurar, no interesse da verdade, destruir idéias que provam mais de entusiasmo que de reflexão, e que, por isso mesmo, fazem mais mal que bem, expondo-as ao ridículo.
A teoria das visões e das aparições é hoje perfeitamente conhecida; nós a desenvolvemos em vários artigos, e notadamente nos números de dezembro de 1858, fevereiro e agosto de 1859 e no nosso O Livro dos Médiuns, ou Espiritismo Experimental; não a repetiremos, portanto, aqui, mas somente lembraremos alguns pontos de fato, antes de chegar ao exame do sistema dos glóbulos.
Os Espíritos podem se produzir à visão sob diferentes aspectos:o mais freqüente é a forma humana. Sua aparição, geralmente, tem uma forma vaporosa e diáfana, algumas vezes vaga e indecisa. Freqüentemente, à primeira vista, é um clarão esbranquiçado, cujos contornos se determinam pouco a pouco. Outras vezes, as linhas são mais acentuadas, e os menores traços do rosto desenhados com uma precisão que permite dar-lhe a descrição mais exata. Um pintor, nestes momentos, poderia seguramente fazer-lhe o retrato com tanta facilidade como o faria para uma pessoa viva. As maneiras e o aspecto são os mesmos que durante a vida do Espírito. Podendo dar todas as aparências ao seu perispírito, que constitui seu corpo etéreo, apresenta-se sob aquela que melhor pode fazê-lo reconhecer; assim, se bem que, como Espírito, não tenha mais nenhuma das enfermidades corpóreas que poderia ter como homem, ele se mostrará estropiado, coxo ou corcunda, se julga oportuno para atestar sua identidade. Quanto à roupa, ela se compõe, o mais comumente, de uma roupagem que termina em longa túnica flutuante; pelo menos é a aparência dos Espírito superiores que nada conservaram das coisas terrestres; mas os Espíritos vulgares, aqueles que se conheceram, quase sempre, tem a roupa que tinham no último período de vida. Freqüentemente, têm atributos característicos de sua classe. Os Espíritos superiores têm sempre uma figura bela, nobre e serena; os Espíritos inferiores, ao contrário, têm uma fisionomia vulgar, espelho onde se pintam as paixões mais ou menos ignóbeis que os agitaram; algumas vezes ainda carregam os traços de crimes que cometeram ou dos suplícios que suportaram. Uma coisa notável é que, a menos de circunstâncias particulares, as partes menos desenhadas, geralmente, são os membros inferiores, ao passo que a cabeça, o peito e os braços são sempre nitidamente traçados.
Dissemos que as aparições têm alguma coisa de vaporosa, malgrado a sua clareza; poder-se-ia, em certos casos, compará-la à imagem refletida num vidro sem estanho, que não impede ver os objetos que estão por detrás. Bastante ordinariamente, é assim que os distinguem os médiuns videntes; eles os vêm irem, virem, entrarem, saírem, circularem entre a multidão dos vivos, tendo o ar, para os Espíritos vulgares pelo menos, de tomarem parte ativa no que se passa ao redor deles, de se interessarem segundo o assunto, de escutarem o que se diz. São vistos, freqüentemente, aproximarem de pessoas, lhes soprarem idéias, influenciá-las, consolá-las, se mostrarem tristes ou contentes com os resultados que obtêm: em uma palavra, é o duplo ou o reflexo do mundo corporal, com suas paixões, seus vícios ou suas virtudes, mais virtudes do que a nossa natureza material nos permite dificilmente compreender. Tal é esse mundo oculto que povoa os espaços, que nos cerca, no meio do qual vivemos, sem disso desconfiar, como vivemos no meio de miríades do mundo microscópico.
Mas pode ocorrer que o Espírito revista uma forma ainda mais nítida e tome as aparências de um corpo sólido, ao ponto de produzir uma ilusão completa e de fazer crer a presença de um ser corpóreo. Enfim, a tangibilidade pode se tornar real, quer dizer, que se pode tocar, apalpar esse corpo, sentir a mesma resistência, o mesmo calor que da parte de um corpo animado, e isso quase pode se desvanecer com a rapidez do raio. Não somente a aparição desses seres, designados sob o nome de agêneres, é muito rara, ela é sempre acidental e de curta duração, e não poderiam tomar-se sob essa forma, os comensais habituais de uma casa.
Sabe-se que entre as faculdades excepcionais das quais o senhor Home deu provas irrecusáveis, é necessário colocar a de fazer aparecer mãos tangíveis que se podem apalpar, e que, por outro lado, podem agarrar apertar e deixar marcas sobre a pele. Os fatos de aparições tangíveis, dizemos, são bastante raros, mas aqueles que se passaram nestes últimos tempos confirmam e explicam aqueles que a história conta a respeito de pessoas que se mostraram, depois de sua morte, com todas as aparências corpóreas. De resto, por extraordinários que sejam semelhantes fenômenos, todo o sobrenatural desaparece quando se lhes conhece a explicação, e se compreende, então, que longe de ser uma derrogação das leis da Natureza não são senão uma sua aplicação.
Quando os Espíritos tomam a forma humana, não se poderia com isso enganar-se; mas assim não é quando tomam outras aparências. Não falaremos aqui de certas imagens terrestres refletidas pela atmosfera, e que puderam alimentar a superstição entre pessoas ignorantes, mas de alguns outros efeitos sobre os quais os homens, mesmos esclarecidos puderam se equivocar; é aí sobretudo que é necessário manter-se em guarda contra a ilusão para não expor-se a tomar por Espíritos fenômenos puramente físicos.
O ar não é sempre de uma limpidez perfeita, e há circunstâncias tais em que a agitação e as correntes das moléculas aeriformes produzidas pelo seu calor são perfeitamente visíveis. A aglomeração desses fragmentos forma pequenas massas transparentes que parecem flutuar no espaço, e que dão lugar ao singular sistema dos Espíritos sob a forma de glóbulos. A causa dessa aparência está, portanto, no próprio ar, mas pode estar também no olho. O humor aquoso oferece pontos imperceptíveis que perderam sua transparência; esses pontos são como corpos semi-opacos em suspensão no liqüido do qual seguem os movimentos e as ondulações. Eles produzem no ar ambiente e à distância, por efeito de um engrossamento e da refração, aparência de pequenos discos, algumas vezes irisados, variando de um a dez milímetros de diâmetro. Vimos certas pessoas tomarem esses discos por Espíritos familiares que as seguiam e as acompanhavam por toda parte, e, em seu entusiasmo, verem figuras nas nuanças da irisação. Uma simples observação, fornecidas por essas mesmas pessoas vai reconduzi-las ao terreno da realidade. Esses discos ou medalhões, dizem elas, não somente as acompanham, mas seguem em todos os seus movimentos; vão à direita, à esquerda, para cima, para baixo, ou se detêm segundo os movimentos da cabeça; essa coincidência prova por si só que a sede da aparência está em nós e não fora de nós, e o que o demonstra, por outro lado é que, em seus movimentos ondulatórios, esses discos não se separam jamais de um certo ângulo; mas como eles não seguem com precipitação o movimento da linha visual, parecem ter uma certa dependência. A causa desse efeito é muito simples. Os pontos opacos, ou semi-opacos, do humor aquoso, causa primeira do fenômeno são, dissemos, como estando em suspensão, mas têm sempre uma tendência a descerem; quando eles sobem, é que foram solicitados pelo movimento do olho de baixo para cima; chegados a uma certa altura, fixando-se o olho, vê-se o disco descer lentamente, depois deter-se; sua mobilidade é extrema, porque lhe basta um movimento imperceptível do olho para fazer percorrer ao raio visual toda amplitude do ângulo em sua abertura no espaço, onde a imagem se projeta.
Outro tanto dizemos das centelhas que se conduzem, algumas vezes, em maços ou feixes mais ou menos compactos, pela contração dos músculos do olho, e que se devem, provavelmente, à fluorescência ou à eletricidade naturais da íris, uma vez que são, geralmente, circunscritos na circunferência desse órgão.
De semelhantes ilusões não podem provir senão uma observação incompleta; quem haja estudado seriamente a natureza dos Espíritos por todos os meios que a ciência prática dá, compreenderá tudo o que elas têm de pueril. Se esses glóbulos aéreos fossem Espíritos, seria necessário convir que estariam constrangidos a um papel muito mecânico para seres inteligentes e livres; papel possivelmente fastidioso para Espíritos inferiores, com a mais forte razão incompatível com a idéia que fazemos dos Espíritos superiores.
Os únicos sinais que podem, verdadeiramente, atestar a presença dos Espíritos são os sinais inteligentes. Enquanto não se provar que as imagens das quais acabamos de falar, tivessem elas mesmo a forma humana, têm um movimento próprio, espontâneo, com caráter intencional evidente e acusando uma vontade livre, não veremos aí senão simples fenômenos fisiológicos ou de ótica. A mesma observação se aplica a todos os gêneros de manifestações, e sobretudo aos ruídos, às pancadas, aos movimentos insólitos de corpos inertes que milhares de causas físicas podem produzir. Nós o repetimos, tanto que um efeito não seja inteligente por si mesmo, e independente da inteligência dos homens, é necessário considerá-lo duas vezes antes de atribuí-lo aos Espíritos.