domingo, 22 de abril de 2012

O ESPIRITISMO DEVE APROXIMAR AS RELIGIÕES

Allan Kardec, Revista Espírita de 1866/janeiro:

Nas reuniões espíritas, a prece predispõe ao recolhimento e à seriedade, condição indispensável, como se sabe, para as comunicações sérias. Significa dizer que devem ser transformadas em assembleias religiosas? De nenhum modo. O sentimento religioso não é sinônimo de sectário de uma religião; deve-se mesmo evitar o que poderia dar às reuniões esse último caráter. É nesse sentido que constantemente desaprovamos as preces e os símbolos litúrgicos de um culto qualquer. Não se deve esquecer que o Espiritismo tende para a aproximação das diversas comunhões; já não é raro ver nessas reuniões a confraternização dos representantes de diversos cultos, e é porque ninguém deve se arrogar a supremacia. Que cada um em seu particular ore como entender, é um direito de consciência; mas numa assembleia fundada sobre o princípio da caridade, deve-se abster de tudo o que poderia ferir suscetibilidades, e tender a manter um antagonismo que se deve ao contrário se esforçar em fazer desaparecer. As preces especiais ao Espiritismo não constituem, pois, um culto distinto, desde o instante em que elas não são impostas e cada um está livre para dizer aquelas que lhe convém; mas elas têm a vantagem de servir para todo mundo e de não ferir ninguém.

O mesmo princípio de tolerância e de respeito para com as convicções alheias nos faz dizer que toda pessoa razoável que as circunstâncias levam num templo, de um culto do qual não partilha as crenças, deve se abster de todo sinal exterior que poderia escandalizar os assistentes; ela deve, tem mesmo necessidade, de sacrificar aos usos de pura forma que não podem em nada empenhar sua consciência. Que Deus seja adorado num templo de maneira mais ou menos lógica, isto não é um motivo para ferir aqueles que acham essa maneira boa.

quarta-feira, 11 de abril de 2012

NO CENTRO ESPÍRITA

Através dos estudos e observações tenho elaborado mentalmente o que até o momento tenho por um modelo ideal de centro espírita. Tenho presenciado tantos desvios, falta de orientação e misticismo que muitas vezes me pego entristecido por conseguir perceber que a história se repete, e o Espiritismo está tomando o rumo de uma religião instituída. E como toda religião instituída, tende ao engessamento e atraso com o passar do tempo. Não quero entrar na análise desses fatos, basta um pouco de observação para constatar o mesmo.

Do modo que entendo o centro espírita, ele deveria ser um núcleo de transformação moral, a instrução e a caridade seriam os instrumentos para essa transformação. Porém, não creio em Espiritismo sem falar de revolução a nível íntimo, mudança de comportamento. O Centro Espírita deveria manter o foco nessa questão e deixar de lado, fim dos tempos, crianças especiais e outras questões recorrentes que surgem com nova roupagem de tempos em tempos para a satisfação daqueles que exploram esses temas comercialmente, mas nada acrescentam no progresso individual. Não existe progresso sem trabalho.

O Centro Espírita deveria ser um local acolhedor, e para tanto, invariavelmente deveria ter proporções reduzidas, estimulando o intimismo e facilitando a relação entre os membros do grupo. É preciso empatia, a única forma de qualquer atividade social transcorrer com harmonia e alcançar resultados positivos com eficiência.

O primeiro aspecto na dinâmica de acolhimento dos frequentadores do centro deve ser uma explanação oral, sabemos que as pessoas não encontram espaço na sua vida atribulada para o estudo e a reflexão. A palestra, aula ou explanação, como queiram, deve esclarecer, fornecer subsídios para que o ouvinte sinta-se capaz de encontrar respostas em si mesmo. O Espiritismo deve sempre estimular a liberdade e jamais aguilhoar o frequentador a suas práticas e frequência obrigatória. A diferença de opinião é outra questão que precisa ser respeitada, pois se há aquele que pensa diferente é porque Deus assim o quis para que aprendêssemos uns com os outros, e, quando nosso companheiro estiver equivocado ter paciência e ser tolerante para com ele. Claro que tudo dentro do bom senso, não precisamos aceitar excentricidades e situações que sejam contrárias às questões mais básicas da Doutrina Espírita.

A palestra é o principal instrumento que temos para colocar todos os presentes em sintonia com os amigos espirituais, o simples fato do frequentador ter alguns minutos para a reflexão e a prece já age sobre ele como um bálsamo. E com isso fica desnecessário os procedimentos fluidoterápicos, vulgarmente reduzido ao “passe”. Atualmente as pessoas vão ao centro espírita para tomar um “passe”, mas não se dão conta que a palestra que os estimula ao bem é muito mais importante e que todos são atendidos naquele momento. Estranho que as pessoas consideram doentes aqueles que vão a farmácia e se automedicam mesmo sem doenças, são conhecidos como hipocondríacos, mas com relação ao tratamento fluidoterápico não pensam da mesma forma. É quase como a vitamina C, tomam, pois previne os problemas. Quando na verdade o que previne os problemas é a sanidade mental, a mudança de comportamento, substituindo vícios por hábitos mais saudáveis. Infelizmente continuamos com o velho conceito de mínimo esforço, supondo que os outros possam resolver nossos próprios problemas.

O que muitos centros chamam de desobssessão e praticado na presença do visitante poderia muito bem ser substituído por alguns minutos de leitura de textos específicos que estimulem a renovação moral, o perdão, a paciência ou a resignação, por exemplo. Tanto o frequentador em tratamento quanto o acompanhante espiritual estaria sendo preparado para um posterior diálogo com os orientadores espirituais, mas há quem prefira chamar a atenção com manifestações mediúnicas na frente de pessoas despreparadas ou adotar gestos que mais lembram os mágicos de outrora, alimentando uma falsa visão do Espiritismo com crenças supersticiosas e nada úteis.

Se uma pessoa chega no centro espírita exercitemos a caridade, emprestemos nosso ouvido, aconselhemos com responsabilidade se tivermos condições de fazê-lo. E se nos faltarem maiores possibilidades oremos por aqueles que chegam até nós pedindo ajuda. Precisamos aprender a assumir as responsabilidades de nossas palavras e orientações e não se esconder atrás da mediunidade. Óbvio que junto de nós haverá amigos desencarnados nos sustentando naquilo que tivermos necessidade, mas isso não nos exime do estudo e da dedicação, que se tem visto bastante distante no concernente a mediunidade. Não são poucos os “médiuns” que preferem fechar os olhos e dizer a primeira coisa que lhes veem a cabeça do que abrir um livro e refletir. O mais triste, é que as pessoas sem instrução veem isso como algo sobrenatural, capaz de lhes aliviar e como num passe de mágica mudar a vida de alguém. Nada na vida se consegue sem dedicação e trabalho.

Creio que os casos mais complexos podem ser levados a consulta mediúnica, efetuada com algum mecanismo de controle, afinal estamos tratando da vida das pessoas e não se pode ser leviano nessa questão. Se os espíritos indicarem tratamento fluidoterápico, através do emprego do magnetismo animal, que o façamos com propriedade. Estudemos o caso, sua patologia, a área orgânica que afeta, as reações que a enfermidade pode provocar, e tenhamos após o estudo um planejamento para atender ao tratamento do doente. Isso é Espiritismo, estudo, seriedade, dedicação e não simplesmente achismos e superstição.

É preciso libertar as pessoas da ignorância e como seremos capazes de fazer isso se continuamos nos portando nos centros espíritas como o fazíamos diante dos feiticeiros na idade média? São raros os lúcidos trabalhadores que compreendem que fazer parte do centro espírita não é ajudar os outros, mas uma oportunidade de aprendizado sem igual para nós mesmos. Os espíritos não estão preocupados com o atendimento dos desencarnados, somente nossa soberba para pensar que o que fazemos não possa ser substituído pelos espíritos com muito mais qualidade. O centro espírita é uma escola. A questão fundamental é se concentrar nos encarnados, naqueles que estão distantes de compreender que Deus existe dentro de cada um deles e que está lá, silencioso, porém ativo, aguardando o despertar da criatura humana para uma renovação de comportamento.

Provavelmente minhas ideias vão mudar com o tempo, eu vou aprender mais, me desenvolver e algumas das questões que aqui tratei ficarão, senão obsoletas, ao menos poderão ser substituídas por outras melhores. Entretanto, isso faz parte do processo de compreensão das diferenças que falávamos antes, é preciso dedicação, em tudo que façamos, para que não nos sintamos, mais tarde culpados, por ter realizado algo do modo mais simplório quando podíamos ter feito melhor.

L.

04/04/2012

quarta-feira, 4 de abril de 2012

OS ESPÍRITOS NÃO TEM SEXO

As almas ou Espíritos não têm sexo. As afeições que as une nada têm de carnal, e, por isto mesmo, são mais duráveis, porque são fundadas sobre uma simpatia real, e não são subordinadas às vicissitudes da matéria.

As almas se encarnam, quer dizer, revestem temporariamente um envoltório carnal semelhante para elas a um pesado invólucro do qual a morte as desembaraça. Esse envoltório material, pondo-as em relação com o mundo material, neste estado, elas concorrem para o progresso material do mundo que habitam; a atividade que são obrigadas a desdobrar, seja para a conservação da vida, seja para se proporcionarem o bem-estar, ajuda seu adiantamento intelectual e moral. A cada encarnação a alma chega mais desenvolvida; traz novas idéias e os conhecimentos adquiridos nas existências

anteriores; assim se efetua o progresso dos povos; os homens civilizados de hoje são os mesmos que viveram na Idade Média e nos tempos de barbárie, e que progrediram; aqueles que viverão nos séculos futuros serão os de hoje, mas ainda mais avançados intelectualmente e moralmente.

Os sexos não existem senão no organismo; são necessários à reprodução dos seres materiais; mas os Espíritos, sendo a criação de Deus, não se reproduzem uns pelos outros, é por isto que os sexos seriam inúteis no mundo espiritual. Os Espíritos progridem pelo trabalho que realizam e as provas que têm que suportar, como o operário em sua arte pelo trabalho que faz. Essas provas e esses trabalhos variam segundo a sua posição social. Os Espíritos devendo progredir em tudo e adquirir todos os conhecimentos, cada um é chamado a concorrer aos diversos trabalhos e a suportar os diferentes gêneros de provas; é por isto que renascem alternativamente como ricos ou pobres, senhores ou servidores, operários do pensamento ou da matéria.

Assim se encontra fundado, sobre as próprias leis da Natureza, o princípio da igualdade, uma vez que o grande da véspera pode ser o pequeno do dia de amanhã, e reciprocamente. Deste princípio decorre o da fraternidade, uma vez que, nas relações sociais, reencontramos antigos conhecimentos, e que no infeliz que nos estende a mão pode se encontrar um parente ou um amigo.

É no mesmo objetivo que os Espíritos se encarnam nos diferentes sexos; tal que foi homem poderá renascer mulher, e tal que foi mulher poderá renascer homem, afim de cumprir os deveres de cada uma dessas posições, e delas suportar as provas.

A Natureza fez o sexo feminino mais frágil do que o outro, porque os deveres que lhe incumbem não exigem uma igual força muscular e seriam mesmo incompatíveis com a rudeza masculina. Nele a delicadeza das formas e a fineza das sensações são admiravelmente apropriadas aos cuidados da maternidade. Aos homens e às mulheres são, pois, dados deveres especiais, igualmente importantes na ordem das coisas; são dois elementos que se completam um pelo outro.

O Espírito encarnado sofrendo a influência do organismo, seu caráter se modifica segundo as circunstâncias e se dobra às necessidades e aos cuidados que lhe impõem esse mesmo organismo. Essa influência não se apaga imediatamente depois da destruição do envoltório material, do mesmo modo que não se perdem instantaneamente os gostos e os hábitos terrestres; depois, pode ocorrer que o Espírito percorra uma série de existências num mesmo sexo, o que faz que, durante muito tempo, ele possa conservar, no estado de Espírito, o caráter de homem ou de mulher do qual a marca permaneceu nele. Não é senão o que ocorre a um certo grau de adiantamento e de desmaterialização que a influência da matéria se apaga completamente, e com ela o caráter dos sexos. Aqueles que se apresentam a nós como homens ou como mulheres, é para lembrar a existência na qual nós os conhecemos.

Se essa influência repercute da vida corpórea à vida espiritual, ocorre o mesmo quando o Espírito passa da vida espiritual à vida corpórea. Numa nova encarnação, ele trará o caráter e as inclinações que tinha como Espírito; se for avançado, fará um homem avançado; se for atrasado, fará um homem atrasado. Mudando desexo, poderá, pois, sob essa impressão e em sua nova encarnação, conservar os gostos, as tendências e o caráter inerentes ao sexo que acaba de deixar. Assim se explicam certas anomalias aparentes que se notam no caráter de certos homens e de certas mulheres.

Não existe, pois, diferença entre o homem e a mulher senão no organismo material que se aniquila na morte do corpo; mas quanto ao Espírito, à alma, ao ser essencial, imperecível, ela não existe uma vez que não há duas espécies de alma; assim o quis Deus, em sua justiça, para todas as suas criaturas; dando a todas um mesmo princípio, fundou a verdadeira igualdade; a desigualdade não existe senão temporariamente no grau de adiantamento; mas todas têm o direito ao mesmo destino, ao qual cada um chega pelo seu trabalho, porque Deus nisso não favoreceu ninguém às expensas dos outros.

Allan Kardec, Revista Espírita 1866.