Especial – Rafael de Figueiredo / Frei Felipe
Publicado na Revista Delfos (ANO III – edição 3 – nº31)
Conseqüências da imortalidade
Por desconhecerem a continuidade da vida, suas conseqüências e seu desenrolar no além tumulo, diversos espíritos encarnados tiram suas próprias vidas no auge do desespero. Jogando-se de prédios, ingerindo venenos em grandes doses ou por graduais hábitos cotidianos de ingestão tóxica, de arma em punho ou com o nó a estrangular o pescoço partem ignorantes de sua imortalidade para a vida espiritual.
Quantos largariam à arma, desatariam o nó, desistiriam do pulo se conhecessem a vida que os recolherá na continuidade da existência, revelando cada disparate, cada tropeço que nossa consciência acuse.
A falta de preparo para o derradeiro encontro com a vida que aguarda a todos do outro lado da cortina da materialidade induz muitos companheiros ignorantes ao sofrimento. As escolas filosóficas e teológicas da Terra, enfocando detalhes e picuinhas a maior parte do tempo, esquecem de velar pela harmonia e paz de seus seguidores. Em termos de preparo para a vida espiritual, nos encontramos estagiando em jardim de infância, cegos e surdos para as constatações lógicas que a vida nos oportuniza.
Onde encontraríamos a bondade suprema e inquestionável de Deus se tivéssemos sido criados para sucumbir no nada? Onde avaliaríamos sua sabedoria se nos tivesse criado sem uma finalidade, por mero divertimento em momento de enfado? Se Deus é bondade e amor acima de qualquer apreciação porque sofreríamos tanto sem objetivo maior? Para sumir e ser consumido nas chamas do inferno?
Somente a imortalidade pode atestar a sublime benevolência e sabedoria de Deus. Espíritos imortais, dependentes de continuadas existências corporais para progredir, colhem o resultado de seus próprios erros, testemunham suas próprias conquistas morais e progridem incessantemente na busca pelas paisagens celestiais de bem-aventurança.
Como compreender os natimortos, os nascimentos em penúria, em berço de ouro, os bebês deficientes e os superdotados, se não for pelo argumento da multiplicidade das existências? Seríamos resultado aleatório das alterações de humor de Deus quando somos escolhidos para nascer deformados? Somente a repercussão de nossos próprios atos passados a nos alcançar nos dias atuais faria com que houvesse justiça em tais casos.
Imaginemos uma mãe, senhora bondosa que desencarnasse sendo imediatamente encaminhada para o céu, o paraíso da contemplação. Agora suponhamos que seu filho, um meliante de alta periculosidade, perdesse sua vida em tiroteio com a polícia e instantaneamente fosse encaminhado para o inferno. Aquela mãe, sinônimo de bondade, permaneceria tranqüila no seu paraíso? Teria ela que perdoar seu próprio filho; afinal ela era exemplo de benevolência. Aquele lar de tranqüilidade continuaria sendo um paraíso para aquela mãe intranqüila? Se uma mãe exemplo de bondade perdoaria seu filho, pois seu coração assim pediria, será que Deus, que é a representação máxima de infinita bondade não nos perdoaria, condenando-nos ao eterno sofrimento do inferno?
Recebemos de Deus nova oportunidade e, por meio da reencarnação, temos a chance de refazer nosso caminho demonstrando estarmos dispostos à mudança. E recebemos esta mesma chance inúmeras vezes, dependendo de nós o quanto avançarmos no caminho do bem.
Não “perdemos” um minuto sequer para escutar os sussurros que a vida nos endereça em nossa ânsia de encontrar esclarecimento perante as aflições. Deixamos todas as reflexões sadias para a hora da morte, de regresso à pátria espiritual, e então lamentamos não termos pensado nisso antes, pois poderia ter sido tudo muito diferente.
Sendo Deus todo perfeição, como imaginar uma vida sem sentido, leis sem harmonia, oportunidades sem méritos, dores sem necessidades, conseqüências sem causa?
Constatamos que quando morrermos para a matéria densa, continuamos sendo os mesmos na vida espiritual; somos espíritos que mantemos nossa personalidade, nossas conquistas morais e intelectuais. O desenvolver de nossa capacidade de compreensão da vida faz com que aprendamos a valorizar o que realmente tem importância.
Aprendemos a valorizar os bens espirituais, aqueles que passam a fazer parte de nosso patrimônio íntimo, aqueles que nos servem de passaporte para ingressarmos em mundos mais felizes. Tornamo-nos mais equilibrados, mais tolerantes e compreensivos diante das dificuldades proveitosas de nossa vida material. Pois possuir é sempre frustrante. Na medida em que alcançamos o alvo de nosso desejo, ele deixa de ter o mesmo valor e sentimos necessidade de possuir outro objeto de valor transitório.
Não conhecendo a pré-existência do espírito e sua sobrevivência após a morte orgânica, muitos são aqueles que morrem para a vida ainda a habitar o corpo. Entregam-se a doença, desistem do esforço enobrecedor, na madureza da idade abandonam novos empreendimentos por imaginarem que tudo se perderá com o fim próximo.
Pascal resume muito bem este pensamento na seguinte frase: “Para que ser mais, se, dentro em breve, deixarei de ser totalmente?”.
Compreendermos a continuidade da vida é nos encher de esperança quando envoltos na aflição, pois por pior que seja a noite sempre haverá um novo dia. É permitir que a fé no futuro nos alimente a resignação para enfrentar a dor e o desespero. É poder apostar no amanhã, no futuro, se as coisas não vão bem no presente. É saber que lutar incansavelmente sempre faz a diferença.
Se Jesus nos deixou dito que todos os fios de nossas cabeças estão contados, como supor que algo que fizéssemos no início ou no final de nossa existência corporal não teria significado? Pela continuidade da vida compreendemos o valor do último suspiro, do arrependimento que altera disposições íntimas no moribundo no último instante. Entendemos que as pessoas que na velhice iniciam nobres projetos, sabedores que não conseguirão concluí-los, são aquelas que sentem na intimidade que o que fizerem será contado, pois a vida não finda, somente muda de paisagem, deixando seu legado como estímulo e oportunidade na continuidade dos que permanecem ainda encarnados.
Precisamos nos convencer que o paraíso está dentro de nós, e de que a tranqüilidade que tanto almejamos deverá ser construída por nós mesmos, gradualmente. Por não entendermos isso, comumente desejamos a eternidade quando estamos de passagem pela Terra, mas quando aportamos na espiritualidade pedimos para retornar para refazer determinado trajeto vestindo novamente o corpo grosseiro. Deus não se faz juiz de nossos atos. Suas leis sábias regulam nosso caminhar e pelos achaques produzidos por nossas próprias atuações aprendemos a conhecer a opção correta a tomar. Ao despertar, nossa consciência aponta os erros cometidos e nosso senso de dever nos impele ao ressarcimento. Como todos evoluímos incessantemente, temos nossas concepções quanto ao certo e errado mudando constantemente. Mesmo os espíritos mais arraigados ao mal evoluem e descortinam igualmente novos horizontes pela ação da própria consciência que os impele a evoluir.
Sob a benção do esquecimento renascemos quantas tantas forem às vezes necessárias para nosso progresso. Sem a aflição da consciência culpada, regressamos para contornar gradualmente os problemas do passado. A justiça divina manifesta-se nas situações que, por falta de compreensão, chamamos de injustiça.
Somente esclarecimentos não libertam ninguém; se estes conceitos não forem motivadores de transformações verdadeiras, de nada valem, a não ser agravar a consciência culpada por conhecer e nada fazer.
“Há muitas moradas na casa de meu Pai.” Conheçamos os conceitos esclarecedores e aproveitemos a oportunidade que o presente nos disponibiliza. Por que esperar a constatação dos erros cometidos para somente então em novo corpo iniciar a mudança? Mudemo-nos todos os dias, nos renovemos em Cristo, fazendo do hoje o melhor lugar para estarmos construindo desde já um amanhã de esperanças.
São Leopoldo, 10 de março de 2005.
Lúcia
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