Ao final do texto que tratava das idéias espíritas no Islã, de Humberto Schubert Coelho, havia comentado que comentaria algumas questões que havia podido observar pessoalmente. Minha experiência com a crença muçulmana, até então, estava limitada por rápidos diálogos com estrangeiros da região do Magreb.
Minha visão com relação ao Islã não era diferente da maioria dos brasileiros, ou seja, sem muita noção da realidade. Infelizmente somos reféns de uma publicidades negativa de culturas em conflito. De um lado radicais muçulmanos, que são a minoria, mas que como em todos os setores da sociedade tornam-se a maça podre do cesto transmitindo uma imagem negativa do que representam, e, de outro, a rede de informações do país que declarou guerra a esses radicais. Impossível encontrar imparcialidade numa realidade dessas. Entretanto, minha experiência no Cáucaso russo foi muito rica e esclarecedora.
Tive a oportunidade de visitar em uma certa manhã a residência de um homem santo, segundo a crença local popular. Encravada em meio as montanhas, algumas com mais de 4 mil metros de altura, nos dirigimos a um vilarejo de casas simples. O primeiro choque é inevitável, as mulheres que me acompanhavam retiram das bolsas um lenço preto e cobriram as cabeças. Era a primeira vez que cobriam a cabeça em quase um mês de convivência. Entretanto, podemos dizer que esse hábito está entranhado na própria cultura, é um modo de proteger o rosto e os cabelos da poeira e do frio, e no contexto religioso, um sinal de respeito. Para os homens nenhuma formalidade. Eu evitava falar para não chamar muito a atenção e observar tudo nos mínimos detalhes.
Entrei em uma casa simples, onde havia morado o santo popular, já desencarnado, era sua filha que mantinha a casa aberta a visitação popular. Ao contrário do que imaginava, não havia cobrança alguma, em nenhum momento se pediu dinheiro. De pés descalços ou com as meias, sentávamos ao redor de um enorme tapete repleto de comida. As pessoas conversavam amistosamente, e a proprietária da casa se esforçava por deixar todos a vontade. Cada família visitante levava um pouco de comida, que era imediatamente disposta sobre o tapete e dividido com todos. Depois de conversar um pouco e comer, pois faz parte da tradição, saímos dessa peça junto com a filha do santo popular e entramos em outra dependência da casa. No quarto de dormir víamos onde o representante mais popular do islã da região dormia e uma outra pequena peça ao lado do quarto, onde ele fazia suas preces. Essa peça devia medir um metro quadrado, e tinha a entrada por uma pequena abertura onde precisávamos nos agachar para conseguir entrar.
Havia algumas pinturas de seu rosto espalhadas pela casa, com as cores fortes que marcam tradicionalmente o islã. A família toda dentro desse compartimento se colocava em círculo e a proprietária começava a orar em voz alta, pedindo pela saúde e felicidades de todos. Os homens eram os primeiros, depois as mulheres, normal na cultura muçulmana, ainda bastante machista.
Um pouco preocupado a família com quem estava me olhava e perguntava se não tinha problema, pois eles sabiam que eu não era muçulmano. Entretanto, como espírita eu sabia muito bem respeitar as diferenças culturais e religiosas, na verdade, estava extremamente curioso, avaliando tudo ao meu redor. Fui colocado no meio do círculo, de frente para uma pintura com o rosto do santo. Foi-me pedido que eu mentalizasse meus desejos, e, nossa anfitriã me pediu que segurasse um dos itens que esse homem utilizava em vida, enquanto ela me dava um “passe”. Eu recebi um passe, isso mesmo, pois ela orava e impunha as mãos sobre mim enquanto pedia pelo meu bem estar. Feito isso eu pude sair dessa apertada peça, enquanto os outros passavam pelo mesmo processo.
Não pude deixar de pensar que onde quer que estejamos existem sempre os mesmos recursos a nossa disposição. Apesar da cultura diferente, da interpretação segundo a culturae história de cada povo, os mecanismos empregados pouco diferem. A pouca compreensão das pessoas desses mecanismos divinos é que dá margem ao fanatismo e aos atritos religiosos.
Antes de sair a anfitriã nos entregara um pouco da comida que estava sobre o tapete. Essa comida havia sido trazida por outras famílias que também vieram visitar e orar. Por nossa vez, deveriamos dividir a comida recebida com outras pessoas de nossa convivência, ou mesmo, desconhecidos. As comidas seriam purificadas com a prece realizada diuturnamente nessa casa de oração e depois distribuídas, era um incentivo a fraternidade e a caridade para com o próximo. Os espíritas fazem algo parecido com a água fluidificada, levando o item magnetizado para casa.
De saída, bastante satisfeito pelo que havia visto, apesar da interpretação mística, que também é uma constante em nosso mundo ocidental, mostrei interesse em saber algo sobre o homem de quem havíamos visitado a residência. Ele era alguém muito bom, que preferia ficar sem comer a ver alguém passando fome, acolhia os viajantes em sua residência sem pedir nada em troca, e orava com muita freqüência. Contaram-me que certa vez uma mulher que visitara a residência roubara um pouco de comida as escondidas; talvez assolada pelo remorso, ela não conseguiu dormir, via esse homem em seus sonhos e ele lhe questionava porque havia feito isso. Ela não resistiu, retornou no dia seguinte, revelou-se e devolveu em dobro o que havia pegado. Existiam diversos relatos de ele obtinha curas, e que aparecia nos sonhos das pessoas. Relatos esses que estamos acostumados no contexto da mediunidade.
Outras questão interessante que aprendi nessa convivência no norte do Cáucaso, foi que quando alguém sonha com o morto, existem relatos de suicidas que pedem prece, eles preparam comida em sua homenagem e dividem nas ruas com as pessoas que passam. Uma prece mais eficiente do que a que estamos acostumados no ocidente. Por aqui estamos acostumados a ver barganhas e mutilações na forma de promessas a santos e dificilmente pensamos em ajudar o próximo como forma de homenagear nosso familiar ou amigo desencarnado.
Por essas e outras questões, o respeito para com as mais diferentes crenças e culturas deve ser sempre a tônica de qualquer relacionamento humana. Não existe fraternidade sem respeito ao próximo. E quando nos deparamos com o fanatismo podemos ter certeza de esse nosso irmão apenas não compreendeu isso ainda, mas que chegará sua vez de compreender. Existem fanáticos entre todos os povos, o Espiritismo é uma ferramenta muito útil para nos mostrar o equívoco de tais intransigências. É sempre prudente evitar as generalizações.
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