sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

UMA REFLEXÃO HISTÓRICA SOBRE O CRISTIANISMO

“Caim investiu contre seu irmão Abel e o matou” (Gênese 4, 8). Mais adiante consta: “Caim se retirou da presença de Javé e foi morar na região de Nod, ao oriente do Éden. Depois Caim se uniu à sua mulher, que concebeu e deu a luz a Henoc” (Gênese 4, 16-17). Já pararam para pensar nessa passagem do antigo testamento?

Todos conhecemos a lenda bíblica de que Deus teria criado Adão, o primeiro homem, e Eva, a primeira mulher. Entretanto alguém já se perguntou como surgiram os outros habitantes do planeta? Pois estamos diante de um grave conflito ético. Se Adão e Eva tiveram dois filhos homens, Caim e Abel, e se Caim matou Abel, como pode Abel perpetuar a espécie se somente existiam no mundo Adão e Eva. Estamos diante do primeiro caso de incesto do mundo?

Entretanto, não se assustem. Essa é apenas uma ilustração para apontar uma das muitas situações que se levadas ao pé da letra coloca a Bíbilia como um livro sob suspeita. Existem outros tantos fatos narrados nos textos, principalmente no Velho Testamento, que são contraditórios e ilógicos.

Para compreender essa situação é interessante que façamos uma breve revisão histórica do contexto em que a os textos bíblicos foram concebidos. Sabemos que quanto mais recuarmos no tempo maior era o número de pessoas que desconheciam a escrita. O que diminui o senso crítico da população, que acaba aceitando tradições verbais como se fosse verdades inconstestáveis. O apóstolo Paulo, em Atos dos Apostolos, já dizia “A letra mata e o espírito vivifica”. Paulo era um homem letrado, podemos dizer em termos atuais, que foi o publicitário maior do Cristianismo, pois foi dele a idéia de escrever os evangelhos como registros da passagem de Jesus entre nós. Entretanto, não o conhecera pessoalmente, talvez por isso tenha dito essas palavras, pois se levarmos o texto ao pé da letra com interpretações obtusas e intransigentes corremos o risco de desvirtuar uma doutrina religiosa que pregava o amor e não viera fundar uma nova forma de fé dogmática. Interpretações rígidas de textos sagrados quase sempre nos levam ao fanatismo e formação de governos teocráticos e ditatoriais.

É importante que se compreenda que Jesus foi criado em meio as tradições judias, seu papel era o de um reformador do Judaísmo. Que viera falar do amor e da sobrevivência do espírito, consolando a fracos e oprimidos. Como Buda o fizera com o Hinduismo e Lutero com o Catoliscismo. Entretanto, seus seguidores acabaram sempre consolidando práticas dogmáticas e instituindo religiões em torno dos ideais por eles propalados.

Como Paulo havia incentivado, várias pessoas passaram a escrever relatos de Jesus, aqueles que o conheceram eram poucos, pois havia se passado bastante tempo de sua morte, entretanto, todos tinham uma história para contar. E os Evangelhos foram surgindo. Como o Império Romano via o cristianismo como uma prática subversiva seus adeptos eram perseguidos e imolados em manifestações públicas. O que acabou sendo grande fator de publicidade da doutrina cristã.

O Império Romano, politeísta e decandente, aos poucos cedeu espaço para a crença cristã. Desinterassados na perda de poder adotou o Cristianismo, através do Imperador Constantino no século IV D.C. como religião do Estado. Os sacerdotes dos templos, convertiam-se em massa, e não demorou para que grandes distorções, motivadas por interesses políticos e econômicos alterassem os rumos promissores em que a doutrina do Amor, incentivada por Jesus, começasse a perder suas bases. A unificação da crença exigia certas regras, os antes perseguidos cristãos passaram a perseguir, pois era preciso unificar a crença. O Concílio de Nicéia em 325 D.C. impôs a idéia de que apenas quatro Evangelhos deveriam compor as tradições do Cristianismo.

Apoiados nas idéias de Santo Irineu, que não me parecem muito convincentes, de que: “O evangelho é o pilar da Igreja. A igreja está espalhada pelo mundo inteiro e o mundo tem quatro regiões. Convém, portanto, que existam apenas quatro evangelhos”; “ O evangelho é o sopro do vento divino da vida para os homens, e, assim como existem quatro pontos cardeais, também devem existir quatro evangelhos”; “O Verbo Criador do Universo reina e brilha sobre os querubins, e os querubins tem quatro formas; por isso o Verbo obsequiou-nos com quatro evangelhos”, passou-se a exterminar todos os vestígios dos outros evangelhos e seitas cristãs que os seguiam. Se deixou de lado, por exemplo, evangelhos que traziam a mulher em condição de igualdade com o homem, algo presente constantemente no comportamento de Jesus, mas que desagradava a Igreja reformulada, nascente sob patrocínio do Império Romano. Os vários deuses se tornaram vários santos, mas a prática continuou inalterada. A título de curiosidade a Igreja Católica conta hoje com mais de trinta mil santos.

Massacrados e perseguidos os seguidores dos Evangelhos apócrifos desapareceram, aqueles que não foram mortos por seus irmãos cristãos foram convertidos a força. Pois toda referência contrária a opinião da Igreja instituida pelos homens deveria desaparecer. No século XX encontrou-se alguns desses textos escondidos em cavernas no Oriente Médio e Egito, o que trouxe a tona velhas feridas que estavam escondidas.

As alterações políticas e econômicas na filosofia de Jesus continuaram. Podemos citar, como um dos fatos mais marcantes o Concílio de Constantinopla II, em 553. Que seria cômico se não fosse verdade, mas vou deixar que a própria história narre os fatos:

O V Concílio Ecumênico de Constantinopla II (553)

A Igreja teve alguns concílios ecumênicos e não ecumênicos, tumultuados. Mas parece que o 5º Concílio de Constantinopla II (553) bateu o recorde, em matéria de desordem e mesmo de desrespeito aos bispos e ao próprio Papa Virgílio, papa da época.

Esses concílios dos primeiros séculos do cristianismo, depois que a Igreja se uniu ao poder civil, eram convocados pelos imperadores romanos. E o 5º Concílio Ecumênico de Constantinopla foi convocado pelo Imperador Justiniano, mas totalmente contra a vontade do Papa Virgílio. Justiniano tem seus méritos, inclusive o de ter construído a famosa Igreja de Santa Sofia, obra-prima da arte bizantina, hoje uma mesquita muçulmana. Era um teólogo que queria saber mais que teologia do que o papa. Sua esposa, a imperatriz Teodora, tinha sido uma cortesã e se imiscuía nos assuntos governamentais do seu marido e, até, nos de teologia.

Contam alguns autores que, por ter sido ela uma prostituta, isso era motivo de muito orgulho por parte das suas ex-colegas. Ela sentia, por sua vez, uma grande vergonha contra o fato de suas ex-colegas ficarem decantando tal honra, que, para Teodora, se constituía em desonra.

Para acabar com esta história, Teodora mandou eliminar todas as prostitutas da região de Constantinopla – cerca de quinhentas. E como o povo daquela época era reencarnacionista, apesar de ser em sua maioria cristã, passou a chamá-la de assassina e a dizer que ela deveria ser assassinada, em vidas futuras, quinhentas vezes; que era seu carma negativo, por ela ter mandado assassinar as suas ex-colegas prostitutas.

O certo é que Teodora foi tomada de um grande ódio contra a doutrina da reencarnação. E, como mandava e desmandava em meio mundo através de seu marido Justiniano, ela resolveu partir para uma perseguição, sem tréguas, contra essa doutrina e contra o seu maior defensor entre os cristãos, Orígenes, cuja fama de sábio era motivo de orgulho dos seguidores do cristianismo, apesar de ele ter vivido quase três séculos antes daquele período.

Como a doutrina da reencarnação pressupõe a da preexistência do espírito, Justiniano e Teodora partiram, primeiramente, para desestruturar a da preexistência, com o que estariam, automaticamente, condenada a da reencarnação, pois, como vimos, não se pode admitir a reencarnação sem a preexistência do espírito, como sendo anterior à concepção do corpo.

Em 543, Justiniano publicou um édito, em que expunha e condenava as principais idéias de Orígenes, sendo uma delas a da preexistência. Em seguida à publicação do citado édito, Justiniano determinou ao patriarca Menas de Constantinopla que convocasse um sínodo (pequena assembléia de alguns bispos de uma região), convidando os bispos para que votassem em seu édito, condenando dez anátemas dele constantes e contra Orígenes. A principal cláusula, ou anátema, que nos interessa é a da condenação da preexistência que, em síntese, é a seguinte: “Quem sustentar a mítica crença na preexistência da alma e a opinião, conseqüentemente estranha, de sua volta, seja anátema” .

Vamos ver agora essa cláusula na íntegra:

“Se alguém diz ou sustenta que as almas humanas preexistiram na condição de inteligências e de santos poderes; que, tendo se enojado da contemplação divina, tendo se corrompido e, através disso, tendo se arrefecido no amor a Deus, elas foram, por essa razão, chamadas de almas e, para seu castigo, mergulhadas em corpos, que ele seja anatematizado!”

E eis o texto original em latim:

“Si quis dicit, aut sentit proexistere hominum animas, utpote quae antea mentesfuerint et sanctae, satietatemque cepisse divinae contemplationis, e in deterius conversas esses; atque ideirco apofixestai id est refrigisse a Dei Charitate, et inde fixas graece, id est, animas esse nuncupatas, demissasque esse in corpora suplicii causa: anathema”.

José Reis Chaves.

Vamos a outra referência:

(...)

Embora se esteja quebrando o tabu e o público cada vez mais se interesse pela reencarnação – como qualquer livraria ou jornaleiro o demonstram – os líderes cristãos, com algumas exceções notáveis, ainda consideram o assunto de grande importância potencial, mas inadequado para discussões.

Tudo isso é mais estranho ainda porque a reencarnação é realmente implícita no cristianismo. Porque os cristãos acreditavam que Cristo existiu, como o Filho de Deus, antes de se encarnar na forma humana. Acreditam que sua finalidade era levar os homens a se conduzirem como Ele; e que o seu poder permite que o consiga. Os homens, todavia, dificilmente poderiam fazer isto se as suas naturezas e origens fossem completamente diferentes. E se isto acontecesse, certamente Cristo iria mencioná-lo e não iria esperar que fossem como Ele.

Por uma das ironias mais divertidas da História, esta atitude estranha do clero do século vinte é parcialmente o resultado das intrigas desapiedadas de uma cortesã superlidibinosa do Oriente Médio, que viveu acerca de 1400 anos atrás. Trata-se de Teodora, filha de um guardião de ursos, que se tornou amante e mais tarde a esposa do Imperador bizantino Justiniano.

Naquele tempo, muitos cristãos aceitavam a reencarnação como uma parte essencial do cristianismo. Seguiam os ensinamentos de Orígenes, um dos sábios mais brilhantes das Igrejas Cristãs primitivas, que uns 250 anos antes escreveu no seu Princípios: “cada alma... vem a este mundo fortificada pelas fraquezas ou vitórias da vida anterior. Seu lugar neste mundo, como um vaso escolhido para honrar ou desonrar, é determinado pelos seus méritos ou deméritos. Seu trabalho neste mundo determina a sua vida num mundo futuro”.

Esta filosofia enraiveceu Teodora, que queria acreditar – e que o público acreditasse – que sua atividade neste mundo lhe daria a certeza de uma posição, mais eminente no outro. Esperava, em outras palavras, um “céu” imediato, e naturalmente encarou com desagrado qualquer sugestão de que ela só obteria o “céu” em encarnações sucessivas nas quais expiaria seus crimes. Então esforçou-se por tirar tais noções do cristianismo.

Há suspeitas de que tenha sido a responsável pelo assassinato de dois Papas que a ela se opuseram, segundo o estudo fascinante de suas conspirações desonestas pelo romancista e teatrólogo Noel Langley. E, depois de sua morte, Justiniano, que também esperava um “céu” imediato, encerrou a discussão sobre a reencarnação convocando no ano de 553 o Quinto Concílio Ecumênico da Igreja que – em termos modernos – foi cuidadosamente organizado para declarar que a reencarnação era anátema.

Sem dúvida o Imperador e seus bobocas eclesiásticos ordenaram a destruição de qualquer escrito que desenvolvesse idéias sobre a reencarnação porque pretendiam liquidar as últimas reminiscências do ensino sobre esta matéria. E estes escritos poderiam conter algumas das “pérolas” sobre as quais Cristo admoestou seus discípulos que não as jogassem aos porcos – um caminho para segurança, de passagem, que suscitaria uma revolta épica sobre o direito do público de se manter informado se houvesse jornais naqueles tempos. Mas Justiniano e seus colaboradores não fizeram um serviço completo de censura e há ainda algumas referências na bíblia e Apócrifos que, pelo menos, sugerem que a reencarnação foi aceita naturalmente.

À primeira vista, é difícil entender por que as Igrejas Cristãs não questionaram a teologia do Imperador e da Imperatriz dissoluta e do falso concílio. Mas, provavelmente, há duas razões para isto:

Por muitos séculos a autoridade e os dogmas das Igrejas raramente foram contestados, em parte porque todos os que o tentaram receberam certamente um tratamento doloroso e pouco cristão. Mais importante, os líderes cristãos primitivos, que lutaram para aumentar o poder da Igreja, provavelmente julgaram as idéias de Teodora e Justiniano mais eficazes politicamente que o ensinamento da doutrina da reencarnação, porque prometer um “céu” e um “inferno” imediatos dava-lhes mais poder e autoridade que ensinar a doutrina da reencarnação, que promete não somente uma segunda chance mas também muitas outras.

Torna-se difícil rejeitar ou modificar um dogma uma vez cristalizado, como poderemos ver pelas angustiantes discussões teológicas de nossa época atual. Assim, devemos compreender nosso clero moderno que sem culpa própria está preso numa gaiola teológica fabricada - bastante estranhamente – pela filha do alimentador de ursos enjaulados, de 1400 anos atrás. (RUSSEL, 1972, pp. 128-130).

Edward Wriothesley Russel, jornalista norte-americano.

Não vamos nos prolongar com mais referências, pois elas são inúmeras, basta recorrer aos livros de história. Concluindo nossa exposição, a mensagem de Jesus é uma mensagem de amor e esperança, que se sentida e carregada no coração conforta e nos ajuda a construir uma sociedade mais fraterna. Jamais podemos condenar as pessoas em sua fé, todo aquele que busca Deus se aproxima Dele, independentemente da forma que o faço ou da religião que professe. O respeito ao próximo e suas convicções é a base em si da mensagem de Jesus. Porém, não podemos também negar a história. “Aquele que não aprende com a história está fadado a repetir os mesmos erros”. O fato de a religião, como a conhecemos, ter se tornado um jogo de intrigas econômicas e políticas, não diminui a importância dela. Sempre que levarmos a fraternidade conosco estaremos próximos de Deus. Prefiro ficar com Jean Jaques Rousseau quando dizia que desconfiava que haviam muitos homens entre ele e Deus. Não precisamos de intermediário se Deus habitar em nosso coração. Façamos como Paulo de Tarso, pois a letra mata e o espírito vivifica.

Pelo espírito Malaquias.

Nenhum comentário:

Postar um comentário