Não precisamos ter uma grande capacidade de observação para perceber que nossa sociedade toma rumos perigosos. A televisão essa semana está pródiga de exemplos nesse sentido. A exaltação a violência, o culto ao revanchismo e vingança pessoal.
Vamos aos casos para uma análise mais detalhada.
Um motorista de ônibus, contratado pela prefeitura municipal do interior de um estado brasileiro, conduz um ônibus velho e sem condições de segurança até sofrer um acidente onde desencarnam várias crianças. Não vamos discutir as razões desse desencarne coletivo, sabemos que nada acontece sem uma justa razão, entretanto, não desejo abrir margem a especulações. A lógica nos faz compreender que o motorista não teve a intenção de matar essas crianças, pois é ele também uma vítima da sua própria imprudência. Irá carregar esse remorso para o resto de seus dias, se não for forte o suficiente poderá pensar em suicídio ou se matar aos poucos através do álcool e das drogas.
Os familiares das crianças desencarnadas clamam por justiça. A justiça sempre acontece, lembremos que a justiça dos homens não é nem imparcial, nem tem posse da visão geral da situação, que incluí o aspecto espiritual e também de existências anteriores. Podemos começar a palpitar sobre alguns responsáveis. Podemos culpar a prefeitura que aceitou que um veículo sem condições de segurança transportasse crianças, ou lembrar da empresa contratada que não dava a devida manutenção no ônibus. Assim é fácil clamar por justiça, porém, e nossa parcela de responsabilidade? Como assim? Quando sonegamos impostos, quando os políticos desviam o dinheiro que deveria ter um fim público, o efeito pode ser a falta de recursos para a manutenção de um veículo escolar. Estou equivocado? O que dizer, por exemplo, das mães e pais que deixavam todos os dias os filhos na porta do velho ônibus, mas que não reivindicaram um transporte melhor se recusando a deixar seus filhos viajar? A humanidade no auge do desespero tende a eleger culpados, mas esquece que acaba sempre por externar um sentimento de culpa quando assim o faz. É um comportamento natural, uma forma de assimilar a dura realidade em pequenas doses.
Ante o sofrimento não percamos tempo com acusações. A nossa consciência é nosso juiz implacável e incorruptível. O motorista do ônibus irá conviver o resto de sua existência e, talvez ainda, tantas outras encarnações, com o remorso de sua imprudência ou imperícia. Portanto não confundamos justiça com sede de vingança.
Nenhuma punição trará nossos filhos de volta. Não vejam as crianças como perdidas, mas como pássaros libertos que Deus quis próximo de si, pois seu tempo nesse mundo de iniqüidades e sofrimentos já havia se esgotado. Como diria o psicólogo Viktor Frankel, “sejamos dignos de nosso sofrimento”. Não desejemos o mal a outrem, sejamos melhores do que isso, pagando o mal com o bem. Quando nos colocamos no direito de julgar e exigimos vingança não somos melhores do que a pessoa que desejamos punir, nos rebaixamos ao mesmo nível. Por vezes somos piores, pois a falta aconteceu num momento de insanidade, mas ódio é a insanidade em si, e precisou de tempo para amadurecer e chegar a um potencial destrutivo. Temos maior responsabilidade na medida em que tivemos mais tempo para refletir.
Vejam os excessos que ocorrem pelo mundo a fora nesse sentido. Onde está a justiça no assassinato do criminoso? Combatemos loucura com loucura? Os cegos no auge da ilusão vibram, como os bárbaros de outros tempos, sedentos de sangue, como se o assassinato de alguém fosse a glória de um povo. Não podemos ser melhores do que isso? Será que não estamos confundindo a tão propalada justiça com desejo de vingança?
Como ainda temos que caminhar! Quanto ainda há por amadurecer meus companheiros de humanidade! Estamos longe de compreender a mensagem tão simples do sábio carpinteiro. “Amai ao próximo com a si mesmo”. O que mais me entristece é que são os jovens, talvez por serem mais inexperientes e absorvem as ideologias em voga com mais facilidade, que se destacam vibrando com bandeiras e ideologias preconceituosas em frente a televisão, como se o mundo houvesse ficado melhor com base em assassinatos e violência. Como somos pequenos! Nossa ignorância é tamanha que não percebemos que não passamos de marionetes nas mãos de interesses econômicos e políticos.
A nossa esperança é que tudo na vida marcha incessantemente rumo ao progresso e que com o tempo seremos uma sociedade melhor, realmente justa. Compreendendo melhor o sentido desse termo, e, quem sabe depois disso possamos também aprender a ser fraternos.
O desabafo de um espírito.
São Leopoldo, 04 de maio de 2011.